22 de maio de 2013

Ricardo Reis: Da Nossa Semelhança com os Deuses



Da Nossa Semelhança com os Deuses
Por nosso bem tiremos 
Julgarmo-nos deidades exiladas 
E possuindo a Vida 
Por uma autoridade primitiva 
E coeva de Jove. 

Altivamente donos de nós-mesmos, 
Usemos a existência 
Como a vila que os deuses nos concedem 
Para, esquecer o estio. 
Não de outra forma mais apoquentada 
Nos vale o esforço usarmos 
A existência indecisa e afluente 
Fatal do rio escuro. 

Como acima dos deuses o Destino 
É calmo e inexorável, 
Acima de nós-mesmos construamos 
Um fado voluntário 
Que quando nos oprima nós sejamos 
Esse que nos oprime, 
E quando entremos pela noite dentro 
Por nosso pé entremos 

Ricardo Reis, in "Odes" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

O poema é um desafio ao poder dos deuses, plasmado por meio de uma linguagem essencialmente moralista, exortando os homens para que se libertem do poder e da tirania dos deuses (senhores do nosso destino), livrando-se assim da angústia e do sofrimento existenciais.
O poeta adverte os homens para a necessidade de encarar a vida serenamente (altivamente donos de nós-mesmos), mas assumindo uma atitude de autodomínio e de auto-suficiência, com tranquilidade, não obstante a certeza de que a vida é uma caminhada para a morte.
Para podermos assumir tal auto-domínio perante o destino inexorável (do qual nem os deuses estãi isentos)
aconselha-os a construir nós mesmos o nosso destino, para podermos criar a ilusão de caminhar sobre os nossos próprios pés no mundo dos mortos(pela noite dentro).
A mensagem do poema é bem explicitada, ou seja: sublinha a idéia de que, apesar de ser uma divindade marginalizada pelos deuses, o homem é semelhante a estes. Como tal deve tomar as rédeas do próprio destino, destemidamente, com sombranceria e em estado de serenidade, de paz epicuristas.
Fiel ao estilo clássico, o poeta lança mão de todos os elementos do classicismo em suas odes: o uso da mitologia, o
vocabulário erudito e da sintaxe latinizante, o epicurismo, o estoicismo a áurea mediocritas horaciana, a teoria do fluir implacável da vida de Heráclito, dentre outros.