7 de novembro de 2015

Castro Alves. O Laço de Fita

A arte engajada com a causa abolicionista de Castro Alves deu origem a alcunha que lhe foi atribuída de “poeta dos escravos”. Mas, apesar do vigor, do entusiasmo, da paixão e da veemência com que notabilizou o seu discurso poético de índole social, é preciso que seja, também, valorizada a sua peculiaríssima poesia lírico-amorosa, especialmente por sua qualidade de estilo e pela expressão límpida de uma sensualidade sem malícia que, ainda hoje, seduzem os leitores dos seus versos. O poeta baiano faleceu, solteiro, aos 24 anos de idade, deixando apenas um livro publicado - Espumas Flutuantes. 

O LAÇO DE FITA

Não sabes, criança? ’Stou louco de amores...
Prendi meus afetos, formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
Num laço de fita.

Na selva sombria de tuas madeixas,
Nos negros cabelos da moça bonita,
Fingindo a serpente qu’enlaça a folhagem,
Formoso enroscava-se
O laço de fita.

Meu ser, que voava nas luzes da festa,
Qual pássaro bravo, que os ares agita,
Eu vi de repente cativo, submisso
Rolar prisioneiro
Num laço de fita.

E agora enleada na tênue cadeia
Debalde minh’alma se embate, se irrita...
O braço, que rompe cadeias de ferro,
Não quebra teus elos,
Ó laço de fita!

Meu Deus! As falenas têm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes...
Mas tu... tens por asas
Um laço de fita.

Há pouco voavas na célere valsa,
Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...
Beijava-te apenas...
Teu laço de fita.

Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
N'alcova onde a vela ciosa... crepita,
Talvez da cadeia libertes as tranças
Mas eu... fico preso
No laço de fita.

Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova... formosa Pepita!
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por c'roa...
Teu laço de fita.
                                        
COMENTÁRIO

“Teu laço de fita faz parte de “Espumas flutuantes”, único livro de Castro Alves publicado em vida. Nesse poema temos um sujeito lírico falando sobre a sua paixão por uma moça que, supostamente, está em um baile e usa como adereço nos cabelos um laço de fita. Esta figura feminina é uma mulher sedutora, esbanja sensualidade e atrai o poeta com seu insinuante laço de fita.
O amor de cunho platonizante, puro sentimento tal como era idealizado pela primeira geração de poetas românticos, não tem lugar no lirismo de Castro Alves. O amor, em sua lírica, é retratado sob a lupa da paixão, da sensualidade e do desejo amoroso. A mulher amada é envolvente, real, lasciva, ousada, e a paixão é a válvula propulsora que move o poeta a escrever versos de exaltação à relação amorosa que o envolve. Em suas poesias, a sensualidade e o erotismo explícitos são aliados a uma concepção poética do amor como sentimento vivido em sua plenitude seja no ponto de vista emocional, seja no que diz respeito à fruição do amor carnal. As mulheres que ama são sensuais e desenvoltas, ao contrário da musa das gerações anteriores, recatadas, intocáveis e vistas sob a ótica da idealização.
A “formosa pepita” do poema difere, portanto, da representação geral que os românticos pintavam da mulher: sempre pudica, inatingível, intocável, a virgem sonhadora. Ao contrário, aqui, há uma mulher que tanto atiça como sente desejo: “Por que é que tremeste? Não eram meus lábios.../Beijava-te apenas.../ Teu laço de fita.”.
Vale observar que o eu-lírico irrompe no poema usando uma linguagem que, embora aparente certa pureza, na verdade veicula um forte conteúdo sensual, projetado em um laço de fita. Tal adorno feminino, no entanto, condensa um fetiche, um desejo. O eu-lírico revela satisfação por estar sendo seduzido por uma moça com os cabelos adornados com um laço de fita que atiça a sua libido. 
Um rastro de sensualidade permeia todo o poema. Na sexta estrofe, instaura-se um certo clima de romance, de mútua atração: a jovem não consegue esconder que também sente desejo: "Por que é que tremeste? Não eram meus lábios... /Beijava-te apenas... /Teu laço de fita." Tal atitude por parte da moça não é comum na época, da mesma forma que a intimidade e ousadia do homem. O tratamento dado à mulher pelos demais românticos era bem mais distante e moderado.. 
Nas duas últimas estrofes, o eu-lírico reitera a sua situação de cativo do "laço de fita”: "Talvez da cadeia libertes as tranças/Mas eu... fico preso/No laço de fita.". Logo a seguir, fala sobre o lugar no qual irá encontrar- se com a amada, após o fim da festa: "Mas ai! Findo o baile, despindo os adornos/N'alcova onde a vela ciosa ... crepita". Fica, portando, a sugestão de que a ambos terão uma noite de amor. A sedução que exerce sobre o eu-lírico o laço de fita é reiterada nos versos finais do poema: "Pois bem! Quando um dia na sombra do vale/Abrirem-me a cova... formosa Pepita! /Ao menos arranca meus louros da fronte, /E dá-me por c'roa... /Teu laço de fita.". 
Como ficou claro nesse poema, as relações amorosas são apresentadas de uma maneira sensual e apaixonada, da qual resulta uma poesia que prima pela originalidade por poetizar o erotismo sem eufemismos, livre da sombra do pecado e do peso culpa. Nenhum outro poeta romântico conseguiu cantar os deleites das uniões carnais, da paixão, como Castro Alves, ninguém, como ele, ousou falar dos desejos, da volúpia e das delícias do amor entre homens e mulheres, com tanto realismo e verdade. 
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Zenóbia Collares Moreira Cunha