O erotismo e o sofrimento que, simultaneamente, transitam pelos versos de João da Silva Leitão de Almeida Garrett são as vigas mestras que sustentam a sua expressão romântica. Assim, em cada poema de As Folhas Caídas é configurada a duplicidade do EU romântico, plenamente consciente dos seus erros, aos quais se sente preso e sem condições de escapar aos seus grilhões.
Erotismo e sentimento avultam como elementos indissociáveis do fazer poético de Garrett e, consequentemente, constituem o cerne do dramatismo que se observa em sua obra, decorrente de sua impossibilidade de escolha, considerando que qualquer escolha implica em rejeitar a outra, e o eu-lírico não tem condições de assumir posições radicais que eliminaria a recorrente presença de um “TU” feminino, cheio de mistério, fonte do conflito e dos lamentos do poeta. Daí a presença dominante nos poemas de As Folhas Caídas de uma permanente tensão entre dois termos antitéticos – LUZ e TREVAS- que dinamizam seu discurso e exprimem a constituição dialética do universo mental de Almeida Garrett.
Em sua poética, LUZ e TREVAS impõem-se como elementos indissolúveis, que se completam em uma estranha relação na qual um representa a negação do outro. Como escreve António Saraiva, hoje é possível enxergar as “limitações na poesia romântica. Toda ela é uma poesia de alcova: nunca o homem e a mulher caminham de mãos dadas. É, por outro lado, uma poesia de frustração, pois todo o amor acaba na tragédia da separação ou da saturação; a amargura sucede ao prazer”. É ainda uma poesia que se apóia em contrastes, em oposições. Nestes termos, o perfil da mulher é configurado em dois extremos: ela é anjo ou demônio, é a salvação ou a perdição do homem, refletindo a realidade social de uma época em que o dinheiro era a mola propulsora de todos os interesses e a situação da mulher era, ainda, de subalternização e de dependência ao homem. Nesse universo regido pelo poder masculino, a condição existencial da mulher não oferecia muitas variantes, oscilando entre a veneração do homem, o casamento, a vida acomodada de esposa, de mãe e a degradação derivada da prostituição a que muitas recorriam para sobreviverem.
Vale sublinhar que a publicação de As Folhas Caídas causou escândalo. A puritana sociedade oitocentista não estava preparada para receber com naturalidade a confissão aberta dos sentimentos e dos desejos masculinos que, pela primeira vez irrompia e implodia os códigos convencionais da tradição clássica que impunham à contensão do discurso poético e a expressão do amor sensual. Antes de Almeida Garrett, poetas do Pré-Romantismo, como José Anastácio da Cunha, Américo Elísio, Francisca de Paola Possolo da Costa, a Viscondessa de Balsemão e Bocage, ousaram escrever poemas impregnados de uma audaciosa sensualidade, de erotismo explícito. Todavia, com exceção de Bocage, os demais nunca as publicaram em vida.
As suas obras foram publicadas, postumamente, por poetas que descobriram seus manuscritos, sentiram o valor da obra inédita e encarregaram-se de publicá-las. A obra do poeta José Anastácio da Cunha, por exemplo, foi publicada por Garrett, em 1939, quarenta e dois anos após a sua morte (1887). É possível que José Anastácio tenha exercido influência sobre Garrett no sentido do encorajamento para a exteriorização das suas emoções e sentimentos mais profundos, dando rédeas soltas ao seu latente erotismo.
Com efeito, o que mais transparece nos poemas garrettianos de As Folhas Caídas é o indiscutível abandono de tudo quanto é convencional (não sincero) nos poetas árcades e a adesão a tudo quanto é anti-convencional (sincero e espontâneo) nos poetas pré-românticos. Daí o poeta assumir inteiramente atitudes confessionais, de conotações eróticas e sentimentais, de forma direta e sem disfarces, tal como faziam os pré-românticos antes citados. Todavia, ainda há muita contensão e racionalização do sentimento amoroso em sua poesia. De fato, Garrett não ousou exprimir a emoção da paixão e a força impulsionadora da sensualidade, como fizera José Anastácio da Cunha.
O jogo poético em As Folhas Caídas reside na antinomia, continuamente estabelecida, entre AMOR SENSUAL e AMOR PLATÔNICO, bem como na reiterada oscilação do Eu-Lírico entre um e o outro, entre a pulsão pelo amor sensual, que o prende irrecorrivelmente ao presente, e o amor espiritual, platônico e puro que o fascinou no passado, restando-lhe apenas a saudade dele, no presente.
Evidencia muito bem a diferença entre o QUERER (sensual) e o AMAR (espiritual) o poema Não te amo, no qual é posto em prática o jogo antitético entre as exigências do corpo e as solicitações do espírito. Em verdade, o ideal de amor platônico que, poeticamente, Garrett acalentou vivenciar ficou como uma quimera, um desejo adiado para sempre, um sonho impossível de realizar na vida real.
Não te amo
Não te amo, quero-te: o amar vem d'alma.
E eu n'alma - tenho a calma,
A calma - do jazigo.
Ai! não te amo, não.
Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida - nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!
Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.
Não te amo.
És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?
E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.
E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.