4 de junho de 2011

Cruz e Sousa : Antífona


João da Cruz e Sousa nasceu em 1861, na antiga Desterro, filho do casal de negros alforriados, Guilherme da Cruz, mestre-pedreiro, e Carolina Eva da Conceição. Cruz e Sousa, desde pequeno recebeu a tutela e uma educação refinada de seu ex-senhor, o Marechal Guilherme Xavier de Sousa - de quem adotou o nome de família, Sousa. A esposa de Guilherme Xavier de Sousa, Dona Clarinda Fagundes Xavier de Sousa, não tinha filhos, e passou a proteger e cuidar da educação de João. Aprendeu francês, latim e grego, além de ter sido discípulo do alemão Fritz Müller, com quem aprendeu Matemática e Ciências Naturais.
Aos vinte anos já dirigia um jornal. Em função da hostilidade dos brancos, deixou sua terra. Percorreu o Brasil e foi recebido em vários lugares como um grande poeta. Casou-se com Gavita, negra, com quem teve quatro filhos. Após a morte do pai, da mãe e de dois filhos, lutou ainda com a loucura da mulher e com a miséria. Acometido de uma tuberculose violenta, faleceu pobre e sozinho, em Minas Gerais, sendo transportado para o Rio de Janeiro em um vagão de cavalos. Teve um sepultamento digno graças à iniciativa de José do Patrocínio que cuidou do funeral e pagou todas as despesas.
Cruz e Sousa é o maior representante do Simbolismo brasileiro e do continente sul e norte americano, além de figurar entre os cinco poetas mais consagrados da literatura simbolista internacional. Sua poesia é reconhecida como uma das cinco melhores entre os simbolistas de todo o mundo, a melhor entre os sul-americanos. Sua temática, seu vocabulário e sua forma de expressão são nitidamente Simbolistas. Publicou os seguintes livros: Tropos e Fantasias, em colaboração com Virgílo Várzea; Missal e Broqueis; Evocações; Faróis; Últimos sonetos.
ANTÍFONA
I
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras

De luares, de neves, de neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras...
II
Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas...
III
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
IV
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...
V
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
VI
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, sodas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
VII
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rime clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
VIII
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passe
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...
IX
Cristais diluídos de clarões alacres,

Desejos, vibrações, ânsias, alentos,
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...
X
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
XI
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte...

Antífona foi escrito com a finalidade de ser usado como introdução de “Broqueis”, livro de poesias publicado em 1893 que assinala o início do Simbolismo no Brasil. É constituído de 54 poemas, entre eles Antífona, poema que abre o livro como uma “profissão de fé” simbolista e passou a ser considerado uma espécie de Arte Poética do autor. Os estudiosos da literatura brasileira não discrepam acerca do valor e da grandiosidade do poema, construído com a notável habilidade de Mestre do maior representante do movimento simbolista brasileiro.
Para a profunda fruição desse extraordinário poema, o mais sensato é desistir de entendê-lo de forma plena, deixando-se penetrar pelo que ele sugere e insinua, por sua musicalidade, pela riqueza das suas metáforas e pela sensualidade e misticismo que veicula.. A insistência em decodificá-lo não irá muito longe, em razão da opacidade de sua linguagem, eivada de imagens herméticas, portanto de difícil compreensão, do que nele é comunicado.
O que fica claro em “Antífona” é a insistente invocação do poeta a formas para que fecundem o mistério dos seus versos. Broqueis traz em seu bojo as incontidas angústias que afligem o poeta que, de forma subjetiva e pelo viés de suave misticismo, de velada religiosidade, inicia o poema com uma espécie de evocação à “formas” vagas, a forças indefinidas, à elementos diáfanos, ao transcendente que paira sobre tudo, pedindo inspiração para seus versos: “Ó Formas alvas... Ó Formas vagas...Formas do Amor... Visões, Cânticos serenos... Forças originais... Infinitos espíritos dispersos... Fecundai o Ministério destes versos...”
A Sinestesia, de suma importância na estética simbolista, está presente no poema, como nos versos “Que brilhe a correção dos alabastros / Sonoramente, luminosamente” nos quais os advérbios “sonoramente” e “luminosamente” sugerem,, de forma inequívoca, a presença da música e da cor, unindo a sensação auditiva a uma outra visual. Nesse outro verso - “Harmonias da Cor e do Perfume” - a sugestão sinestésica é expandida pela evocação olfativa do cheiro em harmonia com a cor, remetendo para sensações visuais e olfativas.
Está bem nítida, desde a primeira estrofe de Antífona a obsessão do poeta pela cor branca, expressa por meio de sinônimos ou de palavras que sugerem a brancura. Especialmente na primeira estrofe figuram nove representações dessa cor: alvas, brancas, claras, luares, neves, neblinas. Vale chamar a atenção para outras características próprias do Simbolismo, como o uso da alegoria presente no reiterado uso de letras maiúsculas em algumas palavras (Formas, Virgens, Cor, Perfume, Sonhos, dentre outras), o uso das aliterações cujos efeitos sonoros emprestam musicalidade aos versos.
Vale ainda salientar as palavras que são usadas para veicularem uma espécie de cromatismo in- tencional, funcionando como salpicos de cores e matizes diversos, ao longo do poema:
O branco - “alvas”, “brancas”, “claras”, “luares”, “neves”, “neblinas”, “cristalinas”, “lírios”, “alabastros”, “aras”
O azul - “Éter”(espaço celeste), “azuis diafaneidades”
O amarelo - “pólen de ouro”, “áureas correntezas”, “Fulvas”, “do sol.
O vermelho - “Horas do Ocaso”, “vermelhidões”, “chagas em sangue.
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Zenóbia Collares Moreira.

Um comentário:

Alanna Cardoso disse...

Muito boa a explicação , faz com que entendamos com mais facilidade essa arte tão bela que é a Literatura brasileira . O site já está em meus favoritos .