21 de novembro de 2012

Cesário Verde, poema De Tarde


Segundo Urbano Tavares Rodrigues, o poema "De Tarde" é "exemplo de arte parnasiana, narrativa e plástica, desejosa de naturalidade e de plena consecução formal". ( "Parnasianismo" in: Dicionário de Literatura ) 

DE TARDE

Naquele piquenique de burguesas, 
Houve uma coisa simplesmente bela, 
E que, sem ter história nem grandezas, 
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico, 
Foste colher, sem imposturas tolas, 
A um granzoal azul de grão-de-bico 
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos, 
Nós acampámos, inda o Sol se via; 
E houve talhadas de melão, damascos, 
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda 
Dos teus dois seios como duas rolas, 
Era o supremo encanto da merenda 
O ramalhete rubro das papoulas! 


A introdução do poema é consrtituida pela primeira quadra. Nos dois primeiros versos, o demonstrativo "Naquele" e a forma verbal no Pretérito Perfeito "Houve" remetem para o passado, instaurando a memória como meio de representação poética. Nesta quadra introduzem-se ainda dois motivos que percorrem o texto: a simplicidade ("uma coisa simplesmente bela/ E que, sem ter história nem grandezas") e o carácter plástico da cena descrita "bela", "dava uma aguarela"; simplicidade e prazer estético aliam-se para justificar a descrição desta experiência vivida pelo sujeito poético, como se confirmará na última estrofe. 
O poema esboça uma narrativa. É possível verificar a existência de categorias próprias do discurso narrativo, tais como: espaço (campestre) - "um granzoal" (v. 7), "em cima duns penhascos" (v. 9); tempo - "De tarde" (título), "Pouco depois.../...inda o sol se via" (vv. 9-10); personagens -"burguesas" (v. 1), "tu" (v.5), "Nós" (v. 10); acção - um "pic-nic" (v. 1), "descendo do burrico, / Foste colher... (...) / Um ramalhete rubro de papoulas" (vv. 5 a 8), "Nós acampámos (...) / E houve talhadas de ..." (vv. 9 a 12) 
A utilização destes elementos narrativos permite a criação de dois quadros: 1º quadro (2ª estrofe) - a burguesa, que desceu do burrico, colhendo papoulas; 2º quadro (3ª e 4ª estrofes) - o "pic-nic", em cima dos penhascos, destacando-se a imagem do ramalhete de papoulas saindo do decote da "burguesa". 
Há sugestões pictóricas relativas a: linhas - horizontal - o "granzoal" / vertical - os "penhascos"; volumes - "o ramalhete", "talhadas de melão", "damascos", "seios"; cor - "granzoal azul", "ramalhete rubro", "talhadas de melão" / "damascos" (sugestão de tons amarelados), "todo púrpuro", "a sair da renda / Dos teus dois seios" (sugestão de branco). A descrição é feita com base em sensações, sobretudo visuais: percepção visual explícita - cores, elementos do cenário (melão, damascos), "inda o sol se via"; percepção gustativa implícita - referência aos alimentos ( "E pão-de-ló molhado em malvasia" ). 
A musicalidade do poema é obtida através das rimas (cruzadas), do ritmo dos versos e do recurso à aliteração: " A um granzoal azul de grão-de-bico", "Um ramalhete rubro de papoulas", "E houve talhadas de melão, de damascos, / E pão-de-ló molhado em malvasia" 

O poema restaura o antigo quadro bucólico no contexto da vida contemporânea. À semelhança de Manet, Cesário Verde colore com lirismo o seu “almoço na relva”. Em seu poema, o mito da Arcádia renasce na medida em que é retratado “sem imposturas tolas”. A cena idílica ganha força porque se torna menos  “pastoral” e mais real. Assim como a tela do pintor francês, o poema De tarde pode ser considerado uma pastoral moderna, criada “sem histórias, nem grandezas”.

Autor do comentário: Roberto Daud*


11 de novembro de 2012

O erotismo Sensual de Cruz e Sousa.



O erotismo sensual na poesia de Cruz e Sousa é de uma profunda intensidade carnal. Tal característica faz com que as imagens sensuais percam, em alguns casos, a natureza vaga e apenas sugerida típica do Simbolismo. Mesmo assim, é nítida a influência de Baudelaire em sua poesia. 

Em “Broqueis”, o eu-lírico se permite extrapolar o plano do puro idealismo para revelar seus impulsos de luxúria, seus desejos carnais. 
A poesia “Lésbia” representa muito bem o erotismo de Cruz e Souza. 

LÉSBIA

Cróton selvagem, tinhorão lascivo,
Planta mortal, carnívora, sangrenta,
Da tua carne báquica rebenta
A vermelha explosão de um sangue vivo.

Nesse lábio mordente e convulsivo,
Rir, ri risadas de expressão violenta
O Amor, trágico e triste, e passa, lenta,
A morte, o espasmo gélido, aflitivo...

Lésbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demoníaca serpente
Das flamejantes atrações do gozo.

Dos teus seios acídulos, amargos,
Fluem capros aromas e os tetargos,
Os ópios de um luar tuberculoso...

Lésbia significa mulher que se entrega livremente aos prazeres da carne. Portanto, como sugere o próprio título do poema, trata-se de um texto erótico. Logo na primeira estrofe, as imagens ligadas ao vermelho e as palavras de conotação erótica reunidas em um só bloco e constituindo um conjunto de fatores que sugerem um voluptuoso orgasmo a agitar o corpo da mulher amada. 

O eu-lírico atento e extasiado informa todos as fases do luxuriante prazer carnal, até o seu clímax, visualizando na carne vibrante da amante a imagem do Amor e da Morte, chamando-a de “Cruel e demoníaca serpente” cujos seios exalam “capros aromas”[1], denunciando a sua natureza maligna. Isto significa que a amante fogosa do eu-lírico é uma entidade demoníaca com aparência de mulher real, capaz de arrastá-lo “flamejantes atrações do gozo”. 
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1- O adjetivo “capros” faz referência a bode, animal que na mitologia cristã é símbolo do demônio.