30 de dezembro de 2015

O lirismo sensual de Florbela Espanca

Nascida em Vila Viçosa (Alentejo) em 1895, portanto nos umbrais do século XX, Florbela de Alma da Conceição Espanca teria sua atormentada vida encurtada pelo suicídio no ano de 1930, quando contava com apenas 35 anos de idade. Apesar do seu talento invulgar e da qualidade do que escreveu, a poetisa inclui-se no numeroso contingente de escritoras que, em vida, não tiveram o valor de sua obra reconhecido pela crítica e pelo público.
Apesar de ter começado a escrever quando o Simbolismo diluía-se enquanto estilo de época em Portugal, a poetisa revela em parte de sua obra poética, mais precisamente nos seus dois primeiros livros – Juvenília e Livro de Mágoas – afinidades com a temática dor e da solidão que atravessam a poesia do poeta simbolista António Nobre, a quem devotava grande admiração (Ó Anto! Eu adoro os teus estranhos versos).
Comentando a afinidade de Florbela com o poeta “mais triste de Portugal”, Nelly Novaes Coelho chama atenção para a cumplicidade da poetisa com o narcisismo magoado de António Nobre e com o decadentismo crepuscular em cujas pegadas “a criação poética florbeliana vai transformando a mágoa, a dor, o sofrimento de viver, numa verdadeira liturgia da paixão, na qual o eu é o centro, que se quer ponto de convergência do mundo, mas continuamente frustrado, em seu desejo ou necessidade [...]. A poesia de Florbela expressa, em essência, a paixão que ela nutria por si mesma e a dor de não ser reconhecida em sua grandeza [...]. Sua poesia é daquelas em que a psique do poeta é a própria matéria poética”.
A exemplo do que fez Camões no soneto de abertura de suas Rimas, a poetisa dedica àqueles que, iguais a ela, também sofrem, também são torturados pela dor de viver e de amar, pois são os únicos que saberão compreender e sentir, com propriedade, a dimensão da tristeza dos seus versos: ecos da dor permanente que a persegue, da mesma medida em que, em vão, busca superá-la:
Este livro é de mágoas.
Desgraçados
Que no mundo passais,
Chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode talvez senti-lo e... compreendê-lo


No Livro de Sóror Saudade, publicado em 1923, define-se o tom pessoal que haveria de peculiarizar a sua obra, privilegiando o soneto a forma de expressão mais adequada para dar expansão ao tumulto interior, aos conflitos íntimos que lhe dilaceravam a alma. Emocionalmente insatisfeita, padece e tortura-se por não conseguir se fazer compreender pela sociedade castradora do seu tempo, incapaz de alcançar a dimensão do amargo embate que trava entre o que seus sentidos e apetências exigem e o que a própria razão condena.
Com efeito, as mulheres e homens do seu tempo não estavam preparados para a recepção das suas poesias erótico-amorosas, ocupados que viviam a fingir que não sentiam determinados apetites carnais que a poetisa teve a audácia de exteriorizar, com desinibida franqueza. A hipocrisia ditada pelo pseudo-puritanismo burguês, suscetibilizada com a desusada liberdade de expressão de Florbela, não poderia ser tolerante com a exposição de vivências íntimas feitas pela poetisa.
Florbela Espanca merece destaque especial, não só pelo incontestável valor estético de sua obra, como pela ousadia com que desbravou os caminhos na selva bruta dos tabus culturais e religiosos de sua época, para a expressão do amor em sua totalidade. A duras penas, conquistou a liberfdade de dar voz aos sentidos, às pulsões do desejo, à sensualidade e à intensidade erótica que subjazem e são adstritas à experiência física do amor carnal, da vivência da paixão.
Ela libertou o discurso erótico da mulher, mas não libertou o seu corpo, ela expressou mais a tortura do corpo inflamado pelo desejo, a ânsia de completude e de consumação do amor sensual, do amor paixão (Amo-te tanto! E nunca te beijei!...); deseja ser amada e sente-se ignorada (estou junto de ti e não me vês...), lamenta a busca vã de um predestinado “alguém” que curasse as feridas de sua essencial incompletude (alguém que veio ao mundo p´ra me ver / E que nunca na vida me encontrou), esse alguém nunca encontrado que avulta em sua magoada desesperança, como ausência doridamente confundida com a pessoa errada (Agora que te falo, que te vejo / Não sei se te encontrei... se te perdi...) é causa da frustração e tristeza que faz vibrar a lira chorosa de Florbela, dá origem aos tristes cantos nascidos da dramática consciência do desencontro irremediável, da permanência da solidão, da certeza de amar um ser sem rosto, gerado por seu desesperado anseio de ser amada (Aonde estão as linhas do teu rosto? )
No poema inicial de Charneca em flor, dado a seguir, a ânsia de libertação e a busca de autoconhecimento são plenamente manifestadas. Nele a autora expressa, com extrema delicadeza, o ritual do amor carnal, desde a serena perturbação inicial do jogo amoroso, até a culminância da pulsão do desejo, levando ao êxtase, ao clímax, à plenitude do prazer.

Enche o meu peito, num encanto mago,
O frêmito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...

Anseio! Asas abertas! O que trago

Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!

E nesta febre ansiosa que me invade

Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E, já não sou, Amor, sóror Saudade...

Olhos a arder em êxtase de amor,

Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!


No soneto abaixo, a poetisa oferece mais um texto que tematiza a experiência prazerosa da liberação do corpo feminino, acompanhada de todo o ritual do transbordamento sensual e do prazer vivido e fruído em sua plenitude, através do processo da sensibilização erótica do corpo, em que todos os sentidos se conjugam de forma totalizadora. Mas é tudo devaneio do desejo, pois os tercetos revelam a solidão, a frustração do amor não correspondido, a tristeza e... nada mais:

Frêmito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus por toda a parte,

Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma

Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...

E o meu coração, que tu não sentes,

Vai bolando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...


No soneto Volúpia, do livro Charneca em Flor, é o prazer provocado pelo toque das mãos, pelo tato que arrepia o corpo com frêmitos vibrantes.

No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase, pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...

A nuvem que arrastou o vento norte...
Meu corpo! Trago nele um vinho forte...
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...

São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos

Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças...


A poesia de Florbela soma-se à de Judite Teixeira, sua contemporânea, como pontos de partida para “a erupção da linguagem enterrada da paixão”, significando a abertura dos caminhos, a fertilização do terreno onde se fincariam as raízes da poesia erótica feminina na literatura portuguesa.

Autora: Zenóbia Collares Moreira .(Itinerário da poesia feminina portuguesa: Século XX... )




19 de dezembro de 2015

As duas vertentes da lírica de Camões

   
Sem ser discrepante ou contraditório, Camões organiza a sua lírica através de duas vertentes, ou seja, uma que se volta para a expressão do amor sensual, com todos os males que lhe são inerentes, fruto da experiência do poeta, e de outra que se orienta para a expressão do amor idealizado, haurido na lição neoplatônica. Essa contraditória situação não parece ter passado despercebida ao poeta, que, em uma das suas canções, alude às duas tendências amorosas que  rivalizam e disputam o espaço em sua expressão poética. Para ele, o amor carnal “fraquezas são do corpo que é da terra, / mas não do pensamento, que é divino, enquanto o amor platônico é efeito da alma; [...] está no pensamento como idéia”.
No soneto que se segue, as duas concepções de amor são postas em evidência pelo poeta. A análise que ele faz do sentimento amoroso mostra este ora como puro sentimento e aspiração espiritual, conforme o modelo petrarquiano, ora como rebaixamento desse sentimento, que se revela maculado na medida em que se transmuda em desejo de fruição sensual:

Pede-me o desejo, Dama, que vos veja,
não entende o que pede, está enganado.
É este amor tão fino e tão delgado
que, quem o tem, não sabe o que deseja.

Não há cousa, a qual natural seja,
que não queira perpétuo seu estado;
não quer logo o desejo desejado,
por que não falte nunca onde sobeja.

Mas este puro afecto em mim se dana
que, como a grave pedra tem por arte
o centro desejar da Natureza.

Assim o pensamento (pola parte
vai tomar de mim terreste humana)
foi, Senhora, pedir esta baixeza.

A leitura do soneto confirma, portanto, a coexistência de duas formas de vivenciar o amor pelo poeta que são absolutamente opostas e inconciliáveis: uma que radica numa forma idealizada de amor platônico, outro derivado da própria experiência: ambos tão divergentes, tão opostos como o são a alma e o corpo, as exigências da carne e as solicitações do espírito. Nos quartetos, o poeta analisa seus impulsos eróticos, na tentativa de convencer-se de que “o desejo [...] não entende o que pede, está enganado [...] não sabe o que deseja”. Contudo, logo no primeiro terceto, irrompe um verso portador de um outro discurso, que parece postergar ou mesmo contradizer a reflexão anterior do poeta: “Mas este puro afecto em mim se dana”, ou seja, em mim não encontra sustentação, se avilta, se aniquila.
Vale salientar que essa contradição do sentimento amoroso vivenciado pelo poeta, esse conflito interior entre o anseio de um sentimento amoroso puro, espiritual e o desejo de satisfazer o apelo dos sentidos, essa dupla e antinômica postura que ele assume perante o amor, tudo isso é muito peculiar à lírica camoniana e muito típico do Maneirismo.

7 de novembro de 2015

Castro Alves. O Laço de Fita

A arte engajada com a causa abolicionista de Castro Alves deu origem a alcunha que lhe foi atribuída de “poeta dos escravos”. Mas, apesar do vigor, do entusiasmo, da paixão e da veemência com que notabilizou o seu discurso poético de índole social, é preciso que seja, também, valorizada a sua peculiaríssima poesia lírico-amorosa, especialmente por sua qualidade de estilo e pela expressão límpida de uma sensualidade sem malícia que, ainda hoje, seduzem os leitores dos seus versos. O poeta baiano faleceu, solteiro, aos 24 anos de idade, deixando apenas um livro publicado - Espumas Flutuantes. 

O LAÇO DE FITA

Não sabes, criança? ’Stou louco de amores...
Prendi meus afetos, formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
Num laço de fita.

Na selva sombria de tuas madeixas,
Nos negros cabelos da moça bonita,
Fingindo a serpente qu’enlaça a folhagem,
Formoso enroscava-se
O laço de fita.

Meu ser, que voava nas luzes da festa,
Qual pássaro bravo, que os ares agita,
Eu vi de repente cativo, submisso
Rolar prisioneiro
Num laço de fita.

E agora enleada na tênue cadeia
Debalde minh’alma se embate, se irrita...
O braço, que rompe cadeias de ferro,
Não quebra teus elos,
Ó laço de fita!

Meu Deus! As falenas têm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes...
Mas tu... tens por asas
Um laço de fita.

Há pouco voavas na célere valsa,
Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...
Beijava-te apenas...
Teu laço de fita.

Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
N'alcova onde a vela ciosa... crepita,
Talvez da cadeia libertes as tranças
Mas eu... fico preso
No laço de fita.

Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova... formosa Pepita!
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por c'roa...
Teu laço de fita.
                                        
COMENTÁRIO

“Teu laço de fita faz parte de “Espumas flutuantes”, único livro de Castro Alves publicado em vida. Nesse poema temos um sujeito lírico falando sobre a sua paixão por uma moça que, supostamente, está em um baile e usa como adereço nos cabelos um laço de fita. Esta figura feminina é uma mulher sedutora, esbanja sensualidade e atrai o poeta com seu insinuante laço de fita.
O amor de cunho platonizante, puro sentimento tal como era idealizado pela primeira geração de poetas românticos, não tem lugar no lirismo de Castro Alves. O amor, em sua lírica, é retratado sob a lupa da paixão, da sensualidade e do desejo amoroso. A mulher amada é envolvente, real, lasciva, ousada, e a paixão é a válvula propulsora que move o poeta a escrever versos de exaltação à relação amorosa que o envolve. Em suas poesias, a sensualidade e o erotismo explícitos são aliados a uma concepção poética do amor como sentimento vivido em sua plenitude seja no ponto de vista emocional, seja no que diz respeito à fruição do amor carnal. As mulheres que ama são sensuais e desenvoltas, ao contrário da musa das gerações anteriores, recatadas, intocáveis e vistas sob a ótica da idealização.
A “formosa pepita” do poema difere, portanto, da representação geral que os românticos pintavam da mulher: sempre pudica, inatingível, intocável, a virgem sonhadora. Ao contrário, aqui, há uma mulher que tanto atiça como sente desejo: “Por que é que tremeste? Não eram meus lábios.../Beijava-te apenas.../ Teu laço de fita.”.
Vale observar que o eu-lírico irrompe no poema usando uma linguagem que, embora aparente certa pureza, na verdade veicula um forte conteúdo sensual, projetado em um laço de fita. Tal adorno feminino, no entanto, condensa um fetiche, um desejo. O eu-lírico revela satisfação por estar sendo seduzido por uma moça com os cabelos adornados com um laço de fita que atiça a sua libido. 
Um rastro de sensualidade permeia todo o poema. Na sexta estrofe, instaura-se um certo clima de romance, de mútua atração: a jovem não consegue esconder que também sente desejo: "Por que é que tremeste? Não eram meus lábios... /Beijava-te apenas... /Teu laço de fita." Tal atitude por parte da moça não é comum na época, da mesma forma que a intimidade e ousadia do homem. O tratamento dado à mulher pelos demais românticos era bem mais distante e moderado.. 
Nas duas últimas estrofes, o eu-lírico reitera a sua situação de cativo do "laço de fita”: "Talvez da cadeia libertes as tranças/Mas eu... fico preso/No laço de fita.". Logo a seguir, fala sobre o lugar no qual irá encontrar- se com a amada, após o fim da festa: "Mas ai! Findo o baile, despindo os adornos/N'alcova onde a vela ciosa ... crepita". Fica, portando, a sugestão de que a ambos terão uma noite de amor. A sedução que exerce sobre o eu-lírico o laço de fita é reiterada nos versos finais do poema: "Pois bem! Quando um dia na sombra do vale/Abrirem-me a cova... formosa Pepita! /Ao menos arranca meus louros da fronte, /E dá-me por c'roa... /Teu laço de fita.". 
Como ficou claro nesse poema, as relações amorosas são apresentadas de uma maneira sensual e apaixonada, da qual resulta uma poesia que prima pela originalidade por poetizar o erotismo sem eufemismos, livre da sombra do pecado e do peso culpa. Nenhum outro poeta romântico conseguiu cantar os deleites das uniões carnais, da paixão, como Castro Alves, ninguém, como ele, ousou falar dos desejos, da volúpia e das delícias do amor entre homens e mulheres, com tanto realismo e verdade. 
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Zenóbia Collares Moreira Cunha


1 de junho de 2015

Cecília Meireles - “Assovio”



Ninguém abra a sua porta
para ver que aconteceu:
saímos de braço dado,
a noite escura mais eu.

E ela não sabe o meu rumo,
eu não lhe pergunto o seu:
não posso perder mais nada,
se o que houve já se perdeu.

Vou pelo braço da noite,
levando tudo o que é meu:
- a dor que os homens me deram,
e a canção que Deus me deu.

O “eu” lírico pede as pessoas, ao mundo que não o incomodem e que não o questionem sobre as coisas passadas, passado este simbolizado pela palavra “porta”, no primeiro e segundo versos, da primeira estrofe. Complementando-a o “eu” lírico conta-nos que a sua única companheira é a noite, cheia de mistério, de tristeza, de melancolia, sugerida pelo uso do pleonasmo “noite escura” e o uso do advérbio de intensidade “mais”, que reforçam a idéia dessa amizade. Outro fator intensificador é o uso do hipérbato, que é sugestivo dessa fortaleza, dessa união entre a noite e o “eu” lírico, observada nos últimos versos.
Na segunda estrofe, o “eu” lírico se contenta com a companhia da “noite”, pois ambos não se questionam sobre o passado, o presente e menos ainda sobre o futuro, representado por “rumo”.
O “eu” lírico afirma que não pode perder tempo em viver, visto que sua vida foi marcada por perdas humanas, irreversíveis. É importante, na finalização do terceiro e quarto versos, a presença das palavras “nada” e “perdeu”, que reforça as perdas citadas anteriormente e o desejo de não permitir que elas continuem, quando diz, enfaticamente: "não posso perder mais nada".
Vimos que o “eu” lírico continua caminhando sozinho, apenas junto com a “noite”, na terceira estrofe, carregando “tudo” o que está marcado em sua alma, que é a dor deixada pelos homens perdidos e passados em sua vida, mas que o sustentam de pé, de cabeça erguida e a sua vida dada por Deus. A vida é representada pela palavra “canção”, que sugere algo passageiro e suave, como é o ritmo da vida, associada à figura de Deus, o único que pode tirá-la.
Nesse poema nota-se a presença da forte influência espiritualista em sua arte, surgida em 1918, nas revistas Árvore Nova, Terra de Sol e Festa, e que iria reiterar-se em todos os seus poemas, como a sugerir que refletíssemos sobre a nossa condição efêmera.
Ressaltamos que a poetisa ao construir o terceiro verso utiliza o travessão para destacar a dor sofrida.
O poema é composto por três estrofes, cada uma delas com quatro versos. Ocorre a presença de rimas entre “aconteceu” e “eu” (primeira estrofe); “seu” e “perdeu” (segunda estrofe); “meu” e “deu” (terceira estrofe). O interessante é que, em todas as palavras no poema, está inserida a palavra “eu”, presente na primeira estrofe, sugerindo a intensificação da dor, da figura do “eu” lírico a cada momento do caminho percorrido por ele durante a vida.
Apesar das palavras “nada” (terceiro verso, segunda estrofe) e “tudo” (segundo verso, terceira estrofe) estarem distantes uma da outra, entendemos que há uma antítese, para vermos o medo do “eu” lírico em perder o “tudo” que neste instante possui: a sua dor e a sua vida.
A “noite” é o único elemento da natureza que surge na poesia para simbolizar a sua real companheira, que é personificada neste verso: Vou pelo braço da noite.
O título Assovio nos indica algo passageiro, transitório e, ao mesmo tempo, musical, como a canção e a própria vida, apesar dos sofrimentos existenciais do ser humano.



23 de maio de 2015

Fernando Pessoa. Tabacaria

Tabacaria

Não sou nada. 
Nunca serei nada. 
Não posso querer ser nada. 
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto, 
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?), 
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, 
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, 
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, 
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, 
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, 
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. 
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, 
E não tivesse mais irmandade com as coisas 
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua 
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada 
De dentro da minha cabeça, 
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu. 
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo 
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, 
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo. 
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada. 
A aprendizagem que me deram, 
Desci dela pela janela das traseiras da casa, 
Fui até ao campo com grandes propósitos. 
Mas lá encontrei só ervas e árvores, 
E quando havia gente era igual à outra. 
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou? 
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! 
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos! 
Génio? Neste momento 
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu, 
E a história não marcará, quem sabe?, nem um, 
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras. 
Não, não creio em mim. 
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas! 
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo? 
Não, nem em mim... 

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Tabacaria. Comentário


Datado de 15/1/1928, o poema "Tabacaria" enquadra-se na terceira fase poética de Álvaro de Campos, denominada a fase pessoal (Jacinto Prado Coelho) ou "Fase Pessimista", que vai de 1916 a 1935 (ano da morte de Pessoa). Desiludido dos esforços das fases anteriores, "Sensacionista" e "Futurista", Campos deixa-se cair num pessimismo intenso, marcado com um forte regresso das memórias da sua infância e a consciência de que ficou (e está) sozinho no mundo.
A linguagem é muito mais moderada do que nas fases anteriores. Campos assume-se agora como um poeta plenamente desiludido com a vida, e muitos dos seus poemas - como Tabacaria - ganham um ritmo deliberadamente lento e retrospectivo, em clara contraposição com, por exemplo, as grandes Odes do seu período futurista.
O tema do poema é a dimensão da solidão interior face à vastidão do Universo exterior. A Tabacaria acaba por ser um símbolo que não tem valor próprio - verdadeiramente importante é que esse símbolo faz nascer em Campos a necessidade de analisar a sua própria existência face à existência da Tabacaria enquanto coisa fixa e real.
Podemos imaginar Pessoa no seu quarto da Rua Coelho da Rocha. Talvez nada disto tenha ocorrido, ou tenha sido um episódio real que se derramou para a literatura. Seja como for, há nisto um leit-motif muito próprio de Pessoa - a ligação do imanente e do transcendente, do real e do ideal, do eu e do vário.
A própria simbologia do quarto e da janela versus a rua e a Tabacaria, representa essa oposição entre o "dentro" e o "fora", uma oposição dialéctica que parte em busca de uma síntese de compreensão.
Mas ao longo de todo o texto, há uma noção clara de diálogo, mesmo sem personagens. É de facto um monólogo, onde Campos fala para si mesmo, e em evidentes momentos de quebra (passagens entre parêntesis) pára mesmo para pensar, intercalando ao discurso racional momentos de delírio momentâneo, irracionais, emocionais, mas complementares. 
O poema pode dividir-se em quatro partes:
A primeira parte corresponde à primeira estrofe, onde é assumido uma espécie de vazio ontológico - "não sou nada", e a contraposição entre o nada exterior e o tudo interior ("tenho em mim..."). Na realidade o vazio ontológico é ilusório e aquele "nada" é apenas o assumir de não ser nada exteriormente - a nulidade não é verdadeiramente ontológica, mas fenomenológica. 
Na segunda parte, estrofes 2-6, Campos estabelece a sua condição actual ao mesmo tempo que nos localiza - sabemos que está no seu quarto e a metáfora do quarto é a metáfora da sua condição humana. Ele é uma mente presa num quarto que olha a realidade do dia-a-dia por uma janela. Simples, mas ao mesmo tempo delicada, a simbologia marcante destas estrofes levam-nos à definição do "eu" de Campos enquanto ser só e abandonado à sua sorte. Ao transferir para metáforas reais os seus sentimentos, Campos concretiza poeticamente uma análise impossível através do raciocínio simples. Mas o que fica é sobretudo um sentido de oposição entre realidade (a rua, a Tabacaria) e irrealidade (a vida de Campos, o quarto). A ligação entre ambas é apenas uma janela, ou seja, permite uma interacção limitada, mas nunca uma passagem concreta de uma para a outra. Campos é um "falhado", mesmo que se saiba um gênio, é afinal Pessoa que fala pela voz da Campos.
Está vencido e sabe que nunca conseguirá ser feliz.
Na terceira parte (estrofes 7-13), até à entrada do homem na Tabacaria, Campos justifica para si mesmo o rumo que tomou na vida e, deixando ainda tomar-se pelo desespero, olha as alternativas que lhe restavam para ser feliz. Aqui a contraposição já não é entre o real e o ideal, entre o fora e o dentro, mas entre ele e os outros, entre a sua condição e a condição dos outros. Choca-lhe sobretudo aqueles que vivem a sua vida numa inconsciência plena - essa é afinal em muitas das passagens de Pessoa, afinal o ideal inatingível de felicidade - porque os vê precisamente como as suas próprias némesis, os seus adversários, os adversários de quem pensa e se preocupa. Começa com a rapariga que come chocolates, suja, perdida na sua gula. Essa passagem é marcante e simples de analisar: "Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! / Mas eu penso". Mas sabe que isso está fora do seu alcance - ele não vai deixar de pensar. Resta-lhe uma atitude nobre vaga: os poemas. Uma atitude nobre que ele espera que o salve, não sabe bem como, de uma mediocridade intensa que lhe vem de não nada fazer sentido na sua vida. 
A quarta parte (estrofe 8 e seguintes) marca o regresso da realidade. Campos deixa de "filosofar" quando um elemento real se intromete entre ele e a Tabacaria. Tudo se desmorona, porque tudo estava apenas no pensamento de Campos e nunca poderia ser real da mesma maneira que o Esteves é real. (haverá também afinal um nome mais real do que Esteves?). Passando subitamente a interveniente na realidade que analisava, Campos, assim que vê um conhecido e que depois lhe acena, deixa de poder estar fora da realidade para ser puxado violentamente para o meio dela. É assim que o Universo se reconstrói subitamente, sem metafísica, ou seja, sem dar mais azo ao pensamento e à análise, é só a verdade dos sentidos e não a idealização do pensamento. 
“Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo 
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu."

(Comentário de autor desconhecido)

25 de abril de 2015

F. Pessoa - Por quem foi que me trocaram

O poema que se segue, de Fernando Pessoa, está incluído nas edições póstumas da sua "poesia inédita".
Pessoa sempre foi claro acerca da sua forma de escrever. Ele mesmo disse que escrevia em seu próprio nome, mas com a inteira consciência que ele era o "seu heterônimo mais fraco".
O ímpeto e a emoção iam inteiramente  para Campos, a disciplina pertencia a Reis, o sonho era da esfera de  Soares, a beleza simples era exclusiva de Caeiro.
O que restava então para Pessoa-ele-mesmo? Fernando Pessoa, o "impuro e simples", como ele mesmo se classificou na famosa "carta da gênese dos heterônimos"...


                 Por quem foi que me trocaram
Quando estava a olhar pra ti?
      Pousa a tua mão na minha
     E, sem me olhares, sorri.

   Sorri do teu pensamento
   Porque eu só quero pensar
  Que é de mim que ele está feito
É que tens para mo dar.

Depois aperta-me a mão
E vira os olhos a mim...
Por quem foi que me trocaram
Quando estás a olhar-me assim?

 O "estilo interno" dos versos ortônimos revela em todos eles uma semi-rigidez, uma indefinição, uma simplicidade que só não é inteira porque eles são verdadeiramente impuros. As impurezas que neles residem são como resquícios das obras heteronímicas omnipresentes no espírito Pessoano. Pessoa pode escrever só por ele, mas não pode ser só ele a escrever.
É nesta perspectiva - impura e simples - que devemos então ler o poema em questão.
A tendência a analisá-lo linha a linha, mas desde já pede que o leiamos de forma horizontal, por inteiro. Somente como introdução, e, assim lembra algo de Reis.
Podemos imaginar a cena: dois amantes sentados sem falar, um deles dirige a pergunta inicial (que se adivinha quase não é feita), pedindo uma resposta também ela silenciosa. Claramente isto leva-nos a Reis e Lídia, a Reis e Chloe... No entanto tudo é mais "simples", se bem que "impuro" (pela presença de Reis).
Pessoa faz a pergunta, mas depois não tira conclusões a partir da mesma. Como se aqui se pintasse um quadro, mas por impulso inocente e cansado. Aliás, toda a poesia ortônima é sobretudo isso: cansaço, rendição. É isso que Pessoa sente, quando se reduz a si mesmo.
Compreendamos então o diálogo sem palavras. O amante transfigura-se quando olha quem ama (por isso pensa ser trocado quando olha). Pelo menos é isso que intuímos. O medo de amar faz com que queira ser correspondido - pede o sorriso, e quer que a sua amante (ou o seu amante) só o tenha a ele no pensamento.
Mas, mais do que correspondência, o amante quer a ação concreta. Quer a certeza de ser correspondido. Apertar a mão é uma certeza física, que advém de um sentimento metafísico: é o amor que se faz real, é o sonho que se torna vida. Mas mesmo assim persiste a dúvida: será ele mesmo que ama, e porque se sente transfigurado no amor, mesmo agora que a olha olhos nos olhos?
A pergunta persiste e fica. Adivinha-se que seja uma pergunta triste, mas na realidade é uma afirmação cansada. Pessoa pode sentir a emoção, mas cansa-o a realidade e sobretudo cansa-o o medo de essa realidade ser efêmera. O poema acaba por se revelar num ciclo final, quando vemos que o seu tema não é tanto o olhar tímido dos amantes, mas antes o medo de que todo o amor acabe.

22 de abril de 2015

O formato Mulher na lírica feminina modernista




"Diferente me concebo e só do avesso
O formato mulher se me acomoda."
(Luísa Neto Jorge)

A partir dos anos quarenta do século XX, as poetisas começaram a ser uma presença marcante nos domínios do Modernismo português, partilhando um espaço até então ocupado predominantemente por poetas do sexo masculino. Aos poucos, o meio literário começou a ser invadido por figuras notáveis que se estreavam nas letras sob a ovação da crítica e do público leitor. 
Incluídas em revistas ou à margem delas, as poetisas irromperam na cena literária portuguesa do século XX não só em quantidade surpreendente como em qualidade excepcional. Dentre elas são dignas de nota, especialmente as que, com suas obras não apenas defenderam a qualidade do que produziam, como impuseram o reconhecimento da maioridade estética da poesia feminina e legitimaram o direito à cidadania das mulheres no Parnaso Lusitano. 
Nas obras destas poetisas, além da evidente identificação com as “novidades” estéticas e temáticas trazidas ou ressuscitadas pela revolução modernista, avulta a retomada do discurso erótico inaugurado no lirismo feminino português por Florbela Espanca e Judith Teixeira. 
Tal retomada, porém, não significa necessariamente uma consciente continuação do que já fora feito pelas duas poetisas. Talvez deva-se mais a uma tomada de consciência por parte das mulheres do quanto ainda havia de repressão no que toca a expressão da sexualidade feminina, seja na vivência íntima de cada uma, seja do próprio discurso literário, amordaçado para qualquer manifestação erótica por parte dos ideólogos e defensores da moral e dos bons costumes do regime salazarista. 
As feministas portuguesas, dentre as quais militavam várias poetisas e escritoras, foram as primeiras a correrem o risco de desafiar a censura oficial, como Natália Correia com a Antologia da poesia erótica e satírica (1966), que lhe valeu uma ordem de prisão sob a acusação, pela justiça salazarista, de organizar e publicar uma obra pornográfica. 
O rumoroso escândalo envolvendo a escritora em vez de provocar um recuo por parte dos escritores de ambos os sexos, incluídos na referida antologia, resultou num estimulo à transgressividade e à rebeldia, não importando, principalmente às ousadas poetisas, se suas obras seriam confiscadas ou não pela polícia. Tanto assim foi que, em 1974, Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho Costa, tiveram a ousadia de publicar o romance As novas cartas portuguesas, no qual as três autoras procuravam resgatar a sexualidade reprimida de Sóror Mariana Alcoforado. Pelo atrevimento, as três escritoras tiveram que enfrentar o processo das “Três Marias”, como ficou conhecido, levantado pelos os censores oficiais. Todavia, no mesmo ano, Maria Teresa Horta publicou o seu livro de poesias – Nossa senhora de mim – que lhe rendeu novos problemas com a censura oficial.
A luta das feministas pela emancipação das mulheres, a consciência reivindicatória de direitos paritários aos dos homens, que tinham nestas escritoras ardorosas militantes, subjazem às suas audácias literárias. 
As poetisas das derradeiras décadas do século XX já não se adequavam ao desgastado figurino da poesia confessional, da expressão sentimental, mas das vezes voltado para a retórica da infelicidade, da dor e das lágrimas. A poesia que surgiu da geração de mulheres surgida após a revolução modernista, nutrira-se na seiva de uma consciência mais aguçada acerca da realidade do amor, da verdade do corpo, do direito de ser mulher e, principalmente, da urgência de um grito de independência, de busca da plena liberdade de expressão. O lirismo feminino assumiu uma dimensão vivencial, revelou-se na plenitude de sua humanidade e temporalidade. Esta poesia quase não fala de dor, fala de amor, de prazer, de felicidade. Nela a expressão do amor sensual é uma “festa do corpo”, como testemunha Rosa Lobato de Farias:

Outra coisa que o corpo há quem conheça.
Eu não. Somente nele me cumpro viva.
Poema, beijo, estrela, afago, intriga
só no corpo me são pés e cabeça.

E coração também que às vezes teça
Razão de me saber mais que a medida
Nessa trágica trama tão antiga
A que chamam ficar de amor possessa.

E é de novo poema, beijo, afago.
É de novo no corpo que te trago
A exótica festa da nudez

E tudo quanto sinto e quanto penso
Toma corpo no corpo a que pertenço
E aqui estou: de barro, como vês.

Derrubadas as barreiras da interdição, implodidos os códigos da repressão à expressão da sexualidade, dificilmente a linguagem poética feminina voltaria a submeter-se aos rigores da repressão e da censura.




10 de janeiro de 2015

Poesias de Carlos Drummond de Andrade...


Confidência do itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Pó isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação 
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, 
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes. 
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, 
é doce herança itabirana. 
De Itabira trouxe prendas diversas que hora te ofereço: 
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval: 
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visita: 
este orgulho, esta cabeça baixa... 
tive ouro, tive gado, tive fazendas. 
Hoje sou funcionário publico. 
Itabira é apenas uma fotografia na parede 
Mas como dói! 
(Do livro;Sentimento do mundo)


Cidadezinha qualquer
Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar. 
Um burro vai devagar. 
Devagar... as janelas olham. 
Eta vida besta, meu Deus.

(Do livro: Alguma poesia)

A biografia lírica e real de Drummond reside em Itabira, cidade que em vida adulta nunca mais voltou, mas cuja lembrança sentimental sempre reservou para si.
Estes dois poemas são referencias para toda a obra de Drummond. O primeiro, um auto-retrato, e o segundo, um flash de uma cidadezinha qualquer, ambas constituem reelaborações poética de sua cidade natal, Itabira. Enquanto em "Confidência do itabirano" há expressivas antíteses, de ironia amarga e sutil (pó exemplo, hábito de sofrer / que tanto me diverte / doce herança itabirana), em "Cidadezinha qualquer" os versos no infinitivo, as repetições e uma prosopopéia (Devagar... as janelas olham) expressam o tédio à monotonia da vida do interior, que no entanto deixa tanta saudade, como mostram os versos finais, antológicos, de "Confidência do itabirano".