10 de janeiro de 2015

Poesias de Carlos Drummond de Andrade...


Confidência do itabirano

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Pó isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação 
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, 
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes. 
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, 
é doce herança itabirana. 
De Itabira trouxe prendas diversas que hora te ofereço: 
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval: 
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visita: 
este orgulho, esta cabeça baixa... 
tive ouro, tive gado, tive fazendas. 
Hoje sou funcionário publico. 
Itabira é apenas uma fotografia na parede 
Mas como dói! 
(Do livro;Sentimento do mundo)


Cidadezinha qualquer
Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar. 
Um burro vai devagar. 
Devagar... as janelas olham. 
Eta vida besta, meu Deus.

(Do livro: Alguma poesia)

A biografia lírica e real de Drummond reside em Itabira, cidade que em vida adulta nunca mais voltou, mas cuja lembrança sentimental sempre reservou para si.
Estes dois poemas são referencias para toda a obra de Drummond. O primeiro, um auto-retrato, e o segundo, um flash de uma cidadezinha qualquer, ambas constituem reelaborações poética de sua cidade natal, Itabira. Enquanto em "Confidência do itabirano" há expressivas antíteses, de ironia amarga e sutil (pó exemplo, hábito de sofrer / que tanto me diverte / doce herança itabirana), em "Cidadezinha qualquer" os versos no infinitivo, as repetições e uma prosopopéia (Devagar... as janelas olham) expressam o tédio à monotonia da vida do interior, que no entanto deixa tanta saudade, como mostram os versos finais, antológicos, de "Confidência do itabirano".


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