20 de janeiro de 2012

O Simbolismo português: Camilo Pessanha.

O Simbolismo é um estilo de época de difícil definição, porque o movimento que o instaurou não constituiu um corpo de doutrinas nem um programa com objetivos claros, coerentes e precisos. Seus adeptos tinham em comum apenas alguns ideais. Surgido na França, o Simbolismo afirmou-se como uma reação contra o Realismo e o Naturalismo na poesia; como uma obstinada oposição contra o Positivismo em todos os setores: arte, moral, filosofia, etc.
De certo modo, o Simbolismo instaurou-se como uma negação absoluta de toda a poesia que surgiu antes das propostas revolucionárias e inovadoras dos simbolistas que apregoavam a legitimidade da “poesia pura”, um tipo de poesia que tem a sua gênese no espírito irracional, não conceitual da linguagem, avesso a qualquer interpretação lógica.
Para o poeta simbolista o que tinha importância eram os estados de alma que podiam ser percebidos, ou seja: os seus próprios. Daí a sua egolatria, o seu notório individualismo, sua indiferença com o social. A poesia renegou a herança parnasiana e ignorou a problemática social. Em lugar disto, fez aliança com a música, pas-
sou à exploração do inconsciente por meio de símbolos e sugestões, preferindo o mundo subjetivo ao obje-
tivo, o invisível ao visível, buscando a compreensão da vida por meio da intuição e do irracional, explorando a realidade situada além do real e da razão.
A leitura da poesia simbolista exige esforço de penetração, dada à opacidade dos seus significados. Em lugar da expressão direta, incapaz de captar as  essências internas e os sentimentos mais intimamente  pessoais, o Simbolismo usava processos indiretos, associações de idéias, representadas por metáforas e símbolos, além de buscar efeitos sonoros nos elementos musicais, tonais e rítmicos, aos quais se somavam os efeitos das co-
res.
Foi uma das características da época simbolista a fusão da música, pintura e literatura. O Simbolismo foi in- troduzido em Portugal com a publicação, em Paris, de “OARITOS”, livro de poemas de Eugênio de Castro, em 1890. Todavia, cabe a Camilo Pessanha o mérito de ter sido o maior representante da literatura simbolista portuguesa e o único poeta que revela, em sua poesia, as características fundamentais desse estilo de época. É o poeta da dor, da ilusão, da nostalgia. Publicou, postumamente, em 1920, Clépsidra, seu único livro. Clépsidra é a obra de um homem ensimesmado, inquieto com a transitoriedade da vida. Reúne poesias cheias de associações de idéias, em que se ligam as impressões do mundo Interior com o exterior, sugerindo estados de alma. Camilo Pessanha foi fortemente influenciado pela poesia do poeta francês Verlaine e pela filosofia pessimista de Shopenhauer. Seus poemas simbolistas influenciaram a geração de Orpheu, desde Mário de Sá Carneiro até Fernando Pessoa.

Caminho I
Tenho sonhos cruéis; n'alma doente,
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d' harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora.

Sem ela o coração é quase nada:
Um Sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora

No poema "Caminho" figuram duas constantes na poesia de Camilo Pessanha: a preocupação com o tempo e a sua dor existencial. O poeta não receia o presente, posto que o conhece bem, seu receio projeta-se no
tempo futuro que sabe ser insondável. Todavia, este tempo presente é praticamente inexistente pois se constitui de um somatório do tempo passado com o tempo atual que se coloca “nas arestas do futuro” amedrontador. O soneto se estrutura a partir de dois elementos temporais tratados de forma antagônica – o presente e o futuro. O tempo presente é o tempo real, o tempo da experiência, não suscita temores posto ser conhecido. Este é o tempo da convivência com a dor que sente e da qual deseja, em vão, se libertar. Paradoxalmente, em vez de se lamentar da dor que o fustiga no presente, o poeta sente saudade antecipada por um dia deixar de senti-la: “Saudades dessa dor que em vão procuro”/ “Do peito afugentar bem rudemente”. É no futuro, portanto, que se situa o “drama” do poeta, é o tempo ainda não vivido que receia e o faz sofrer antecipadamente: “Tenho sonhos cruéis; n’alma doente/ Sinto um vago receio prematuro./ Vou a medo na aresta do futuro”. O seu desejo é que o tempo presente nunca se extinga nesse futuro ameaçador. A dor do poeta não é amorosa, ela é puramente existencial, é inerente ao ser. Todavia, é reconhecida como necessária à constituição do sujeito, como fator essencial à existência, pois “Sem ela o coração é quase nada”
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Zenóbia Collares Moreira Cunha

14 de janeiro de 2012

Ricardo Reis, o Horácio lusitano.




As rosas amo dos jardins de Adônis
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o Sol, e acaba
Antes que apolo deixe
O seu curso visível.
Assim, façamos nossa vida um dia.
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.

Esta Ode de Ricardo Reis apóia-se no carpe diem, tão grato aos epicuristas e fartamente tematizado na poesia horaciana. Assim sendo, o poeta privilegia o tempo presente, celebrando um ideal de vida intensamente vivida no dia de hoje, sem preocupação com o passado e com o futuro.
Rigorosamente, o assunto vai sendo desenvolvido nas três etapas, correspondentes a cada quatro versos três estrofes que o integram. Na primeira, o poeta declara à Lídia o seu amor às rosas do jardim de Adônis, motivado pela fugacidade de suas curtas vidas que começa e finda em um único dia, sem ontem, sem amanhã.
Em seguida, o poeta explicita que ama as rosas porque, para elas, a luz dura eternamente, desde o seu nascer com o sol nascente, até a sua morte antes que o sol decline. Na verdade, nenhum interesse tem o poeta pelas rosas enquanto elementos da natureza, mas sim como metáfora do ideal de vida sem lembranças do passado e sem expectativas do futuro que o poeta almeja. A ode finaliza com o apelo à Lídia para que vivam as suas vidas no presente, tal qual as rosas, como se cada dia totalizasse toda a existência, ignorando o passado já vivido e o futuro insondável.
É evidente que Ricardo Reis buscou na filosofia de vida de Horácio Flacco a inspiração para sua ode, desenvolvendo-a em consonância com o princípio epicurista do “carpe diem” que preconiza o viver despreocupadamente o dia de hoje, indiferente em relação ao que o inexorável destino prepara para o futuo.
Vale salientar a forma originalíssima e genial como Reis intertextualizou as temáticas horacianas, transcendendo à mera imitação dos versos do poeta latino, já posta em prática por poetas renascentistas e neoclássicos, como António Ferreira e Garção. Por meio de uma magnífica e personalíssima recriação das poesias e dos temas que consagraram Horácio, Ricardo Reis atingiu uma grandeza criativa que o coloca no mesmo nível do poeta latino, sem, no entanto confundir-se com este.
Garção e Ferreira obedeceram fielmente à teoria da imitação dos grandes poetas da antiguidade clássica greco-latina, preconizada pela escola que seguiam. Reis evitou a imitação, recriando uma outra obra poética enriquecida pela genialidade do seu iluminado talento, na qual há apenas o eco distanciado da herança horaciana.
Todavia, o poeta é fiel a alguns elementos oriundos da estética clássica, como de latinismos lexicais e sintáticos, nomes da mitologia clássica (Adônis, Apolo), etc. Mesmo o nome Lídia é o de umas das amadas de Horácio, da mesma forma que a ideologia que perpassa a ode reisiana.
Lembremos que Ricardo Reis é o heterônimo pessoano que é apresentado como um poeta clássico, impregnado da cultura e dos princípios filosóficos dos epicuristas e dos estoicistas, também presentes na obra de Horácio Flacco. Sua linguagem é culta, intelectualizada. Sua postura é contida, reflexiva, racional e livre de sentimentalismo.

Autora: Zenóbia Collares Moreira Cunha.

6 de janeiro de 2012

Ana Luisa Amaral: uma poética do avesso.


 Ana Luísa é autora de vários livros de poesia, publicados a partir de 1990. O seu livro de estréia – Nossa senhora de quê – a estabelece um diálogo com o livro da poetisa Maria Teresa Horta, Nossa senhora de mim (1974), em um certo sentido, Ana Luísa Amaral faz um reinvestimento temático do livro de Maria Teresa Horta. Esta tenta recuperar a identidade da mulher, devolve-lhe a voz que o homem lhe havia usurpado nas “Cantigas de Amigo” medievais, faz a mulher assumir-se em sua inteireza, resgatando-lhe a sexualidade reprimida, fazendo-a parceira ativa na relação amorosa com o homem. Ela recria a convenção, de um ponto de vista decididamente feminista.
Ana Luísa Amaral parece questionar o posicionamento de Maria Teresa Horta. Com a eliminação do pronome possessivo logo no título do livro (minha senhora de quê) e no primeiro verso do poema que leva o mesmo título (dona de que; dona de mim nem sou). A poetisa “reinventa a reinvenção de Maria Teresa Horta no “nada” de “ser” que todos somos, afinal, homens e mulheres”:* 

MINHA SENHORA DE QUÊ 
dona de quê 
se na paisagem onde se projectam
pequenas asas... deslumbrantes folhas 
nem eu me projectei 

se os ventos apressados 
me nascem sempre urgentes: 
trabalhos de permeio refeições
doendo a consciência inusitada 

dona de mim nem sou
se sintaxes trocadas
o mais das vezes nem minha intenção 

se sentidos diversos ocultados
nem do culto nascem
(poética do Hades quem me dera!) 

Dona de nada senhora nem
de mim: imitações de medo
os meus infernos. 

Esse gosto pelo reinvestimento temático, pela prática de uma “poética do avesso” é uma constante desde o primeiro livro da poetisa. Além do exemplo evidente desse trabalho pelo avesso calcado no livro de Maria Teresa Horta, há muitos outros, como um poema do livro Epopéias (1994) curiosamente intitulada Orfeu do avesso, no qual Eurídice, contrariando a tradição mitológica, recusa-se a morrer:

De pé sobre o abismo
E não morri;
Canto gregoriano
muito limpo
não me chegou;
o fim 

Catedral
sobre o risco,
sobre um azul tão grande
que afundar-me podia 

Ao fundo do mais fundo
mergulhei
e não morri;
amei 

Não é apenas nessas temáticas que se expande a poesia de Ana Luísa Amaral. Haveria muito mais a apresentar aqui, se a postagem não ficasse longa demais.  Mais poesias ficarão, portanto, para uma outra vez...


3 de janeiro de 2012

Poesias de Maria Alberta Rovisco Menéres


Poetisa, ficcionista e tradutora nascida em Vila Nova de Gaia, foi casada com o poeta Ernesto Emmanuel de Mello e Castro, com quem organizou e publicou a Antologia da Poesia Portuguesa –1940-1977. Maria Alberta tem vasta colaboração em jornais e revistas literárias. Foi diretora do Departamento de Programas Infantis e Juvenis da Radio televisão Portuguesa (1975-1986). Além da sua obra poética, escreveu uma considerável quantidade de livros infanto-juvenis. Com o seu livro Água Memória, recebeu o prêmio Giacomo Leopardi, ao qual seguiram-se outros, como: Prêmio Especial de Teatro Infantil, da Secretaria de Estado e Cultura, (1979); Grande Prêmio Calouste Gulbenkian de Literatura para Crianças (1986), dentre outros. Como poetisa, revela uma aguçada consciência do mundo e é a este que procura desvendar, interrogar e captar seus mistérios.

RELEVOS 
Onde o calor tortura o linho
e uma lenta erupção mastiga o tempo
lembro-me doutras coisas tantas coisas 
de que me vou esquecendo

Dodecaedro e só por dizer dode
dedo me ocorre e me socorre
dedo por dentro cheio de mistério
por fora a porta que na unha dorme

Um pisar leve de não acordar
os homens que no mundo vão dormindo
Um talher luminoso Uma cadeira
A hora mais provável do sorriso

Coritibandos não são pregos
mas podem ser mais que pisados
À noite as vozes quando saltam
provocam sinos como passos

Sua poesia acompanha de perto a prática experimentalista dos anos sessenta sem, no entanto, desprezar outras formas de estar na criação poética. Assim, obedecendo, quiçá uma sua tendência ao ecletismo, tanto deambula pelo terreno da poesia experimental, quanto se aventura por caminhos mais tradicionalistas, nos quais encontra o soneto e, nele, a forma perfeita para libertar o seu insubmisso lirismo. 

Verte rosas teu rosto vês mudado
no tempo resto de tecíveis horas
Teu sentido ou cuidado tido dado
por ti de quem não sabe como foras
Amor porquê no circo só ferência
Alguém de alguém não disse lei nem quando?
Mata-me tanta vez quanta violência

É violeta ou é letra desviolando
Luminados assombros sombras iceis
Por onde Amor? Por onde que remorsos
Nascem dos dedos harpas retangíveis?
Verte rosas teu rosto vês possíveis
um a um tuas lágrimas dos nossos
dias mal soletrados e ilegíveis 

A poesia de Maria Alberta Menéres não se constrói enquanto projeção de um estado subjetivo. Seu olhar incide sobre o que está além do seu eu social ou individual, invade as fronteiras de um imaginário transfigurador da realidade. Como outros poetas de sua geração, faz da meta-poesia um dos mais ricos momentos de reflexão poética, daí dizer: As folhas dos livros não abanam/ como as folhas das árvores/ ao sopro do meu pensamento./ E no entanto a aragem deveria ser esquiva/ e infiltrar-se por entre as palavras/ com manhas de lagarto/ estirando-se ao sol de todos os sentidos. 
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Autora: Zenóbia Collares Moreira.