As rosas amo dos jardins de Adônis
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o Sol, e acaba
Antes que apolo deixe
O seu curso visível.
Assim, façamos nossa vida um dia.
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.
Que há noite antes e após
O pouco que duramos.
Esta Ode de Ricardo Reis apóia-se no carpe diem, tão grato aos epicuristas e fartamente tematizado na poesia horaciana. Assim sendo, o poeta privilegia o tempo presente, celebrando um ideal de vida intensamente vivida no dia de hoje, sem preocupação com o passado e com o futuro.
Rigorosamente, o assunto vai sendo desenvolvido nas três etapas, correspondentes a cada quatro versos três estrofes que o integram. Na primeira, o poeta declara à Lídia o seu amor às rosas do jardim de Adônis, motivado pela fugacidade de suas curtas vidas que começa e finda em um único dia, sem ontem, sem amanhã.
Em seguida, o poeta explicita que ama as rosas porque, para elas, a luz dura eternamente, desde o seu nascer com o sol nascente, até a sua morte antes que o sol decline. Na verdade, nenhum interesse tem o poeta pelas rosas enquanto elementos da natureza, mas sim como metáfora do ideal de vida sem lembranças do passado e sem expectativas do futuro que o poeta almeja. A ode finaliza com o apelo à Lídia para que vivam as suas vidas no presente, tal qual as rosas, como se cada dia totalizasse toda a existência, ignorando o passado já vivido e o futuro insondável.
É evidente que Ricardo Reis buscou na filosofia de vida de Horácio Flacco a inspiração para sua ode, desenvolvendo-a em consonância com o princípio epicurista do “carpe diem” que preconiza o viver despreocupadamente o dia de hoje, indiferente em relação ao que o inexorável destino prepara para o futuo.
Vale salientar a forma originalíssima e genial como Reis intertextualizou as temáticas horacianas, transcendendo à mera imitação dos versos do poeta latino, já posta em prática por poetas renascentistas e neoclássicos, como António Ferreira e Garção. Por meio de uma magnífica e personalíssima recriação das poesias e dos temas que consagraram Horácio, Ricardo Reis atingiu uma grandeza criativa que o coloca no mesmo nível do poeta latino, sem, no entanto confundir-se com este.
Garção e Ferreira obedeceram fielmente à teoria da imitação dos grandes poetas da antiguidade clássica greco-latina, preconizada pela escola que seguiam. Reis evitou a imitação, recriando uma outra obra poética enriquecida pela genialidade do seu iluminado talento, na qual há apenas o eco distanciado da herança horaciana.
Todavia, o poeta é fiel a alguns elementos oriundos da estética clássica, como de latinismos lexicais e sintáticos, nomes da mitologia clássica (Adônis, Apolo), etc. Mesmo o nome Lídia é o de umas das amadas de Horácio, da mesma forma que a ideologia que perpassa a ode reisiana.
Lembremos que Ricardo Reis é o heterônimo pessoano que é apresentado como um poeta clássico, impregnado da cultura e dos princípios filosóficos dos epicuristas e dos estoicistas, também presentes na obra de Horácio Flacco. Sua linguagem é culta, intelectualizada. Sua postura é contida, reflexiva, racional e livre de sentimentalismo.
Autora: Zenóbia Collares Moreira Cunha.
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