31 de agosto de 2009

Um belo soneto de Machado de Assis

Quando a esposa de Machado de Assis morreu, o escritor, muito triste, escreveu um poema, um verdadeiro réquiem, no qual se despede de Carolina. O soneto, intitulado "A Carolina", faz parte do livro "Relíquias de Casa Velha", publicado em 1906, e foi o último escrito pelo autor. O também escritor Manuel Bandeira destacou este poema como uma das peças mais comoventes da literatura brasileira, de acordo com o "Almanaque Machado de Assis".
O livro "Toda Poesia de Machado de Assis", de Cláudio Murilo Leal, que reúne pela primeira vez toda a obra poética de Machado de Assis, apresenta o poema e traz uma breve análise. Abaixo o trecho do livro que apresenta "A Carolina" e a análise do poema.
A Carolina 

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro. 

Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

Carolina Augusta Xavier de Novaes e Joaquim Maria Machado de Assis casaram-se no dia 12 de novembro de 1869 e viveram uma plácida e amorosa vida conjugal durante 35 anos. A morte da esposa, em 1904, deixa Machado abatido e queixoso. Em carta a Joaquim Nabuco, datada de 20 de novembro do mesmo ano, escreve, lamentando-se: "Foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo."

Em 1906, depois de terem sido publicadas as Poesias completas, o poeta escreve seu mais pessoal e profundamente sofrido poema, um verdadeiro réquiem, intitulado "A Carolina". Talvez, para não demonstrar vestígios de um sentimentalismo piegas, Machado elege uma forma poética que reverencia também, sutilmente, o tom e a textura camonianos. Essa aproximação estilística à linguagem castiça, que renova, mais do que copia, no século XX, o sabor do verso quinhentista, foi observada por J. Mattoso Câmara, no ensaio "Um soneto de Machado de Assis".
Ao lado de conhecidos poemas como "Círculo vicioso" e "A mosca azul", o soneto "A Carolina" é considerado a mais comovente pedra de toque da obra poética de Machado de Assis. No ano de 2006, comemorou-se o centenário de "A Carolina", publicado pela primeira vez no livro Relíquias de casa velha, soneto que não foi recolhido em algumas edições das poesias completas.

Fonte: A Folha Online

                                                                    

20 de agosto de 2009

A poesia de Glória Tupper, Layla Lauar e Mariza Lourenço.




Denominada como internáutica ou virtualista a poesia virtual já conquistou direito de cidadania no panorama literário globalizado, como uma das formas legítimas de manifestações poéticas do terceiro milênio. Glória Tupper, Mariza Lourenço e Layla Lauar - que fazem parte desse novo parnaso virtualista – são a prova insofismável da qualidade dessa literatura que a internet possibilitou existir numa outra realidade paralela à nossa.
As três poetas se inscrevem na vertente erótica da poesia contemporânea, percorrem os labirintos da sensualidade e da auto afirmação femininas que, em seus textos encontram a mais refinada expressão. A desenvoltura com que as três autoras fazem a abordagem do tema, a franqueza absoluta dos seus desinibidos discursos estão em consonância com o erotismo poético tão do gosto da lírica contemporânea feminina.
George Bataille ensina que, pelo erotismo, se transforma a atividade meramente sexual (esta concernente a todo animal) em uma “busca psicológica, em um momento de auto conhecimento e de questionamento do ser, configurando-se, assim, o erotismo, como um aspecto da vida interior do ser humano, que sempre é vivenciado como transgressão e enriquecimento”.(G.Battaille. O erotismo, p. 56)
Os poetas de ambos os sexos, desde a década de oitenta do século XX, lançaram-se nessa busca psicológica sobre a qual escreve Bataille ou simplesmente na busca transgressiva de desafiar os tabus culturais que durante tantos séculos cercearam, através de vários mecanismos da censura, a expressão da sexualidade e do erotismo na poesia. Qualquer poesia que ousasse transpor os limites desses tabus servia de argumento para rotular o autor como obsceno, libertino e quantos epítetos servissem para relegar o autor e a obra ao mais desprestigiado nível da escala da valorização estética.
Glória Tupper já foi o tema de um post, no qual analisei algumas das suas poesias, mesmo assim, não posso deixar de trazer a sua mais recente composição, postada recentemente em seu blog literário Avesso de Mulher, reafirmando, mais uma vez, a qualidade e o refinamento do seu lirismo erótico, reiterando a retórica da sensualidade em cada verso e a expressão da plenitude do desejo e do amor sensual em sua completude e beleza:

Sol e Lua

É madrugada silenciosa e fria
e teu cheiro envolve meu corpo.
de olhos levemente cerrados
Percebo tuas mãos deslizantes
Buscando meu desejo.
Teu tato me aquece
Teu hálito a minha boca beija
Somos calor intenso
Dançando em ritmo alucinante
Na cadência perfeita.
Corpos suados se misturam
Sensações se completam
Preencho-me de ti
Na noite que começou fria lua
E terminou quente sol.

Glória desconstrói a imagem tradicional da mulher e resgata a identidade feminina. O homem perde o seu papel de parte ativa e dominante, assumido pela mulher a quem cabe conduzir a relação a dois. Ele é o parceiro, o cúmplice da mulher na fruição recíproca dos prazeres da carne, do amos correspondido ou simplesmente consentido, desejado.

Renda-me
Toma de assalto a minha alma
Rouba meu desejo proibido
E me faz tremer... de desejo
Domina-me
Imobiliza as minhas pernas
Invade a minha boca
E vasculha os bolsos do meu corpo
Assalta-me
Tira de mim as minhas riquezas
E eu me entrego incondicionalmente
Rendo-me a ti.
Layla Lauar tem um blog literário – Ressaca de Homi – no momento com as visitas suspensas. Layla, como Glória, assume o exercício da poesia erótica. No texto que se segue, a poeta se espraia no domínio de Eros e da escrita resgatadora da sexualidade feminina, é um canto de exaltação à harmonia do corpo com o amor consentido e consumado.

minha pele branca e nua
é a tua tela
desenhada à vela e fogo
cera ardente a cair
sobre o meu corpo
no mais
a minha dor calada
o meu prazer gritado
me saber
marcada e tua
somente tua
para todo o sempre
amor!

Layla não amordaça a expressão poética, não hesita em abordar temas ousados e transgressivos, não foge às temáticas eróticas que traduzem a perfeita comunhão dos corpos na realização do amor pleno que  abrasa a carne, que  atiça o desejo. O extraordinário nesta poesia é a forma refinada como o “delicado” tema é desenvolvido numa linguagem intensa que passa bem longe da vulgaridade. Poesia minimalista e substantiva, não desperdiça palavras e diz tudo:

apenas
bocas e línguas
apenas
braços e pernas
apenas
pele com pele
apenas
prazer e gozo
coisa pouca
para o tanto
que nossos corpos
se querem ter
quando estamos nós
um dentro do outro

Mariza Lourenço, além do blog Proseando com Mariza, tem ativa participação na revista eletrônica Escritoras Suicidas, que congrega uma grande quantidade de poetas talentosas. Mariza tem uma formidável e expressiva força verbal. Desenvolve uma prosa poética impecavelmente elaborada. No texto abaixo, a expressão de uma experiência amorosa frustrante assume tons de suave melancolia, revelando a intensa sensibilidade da autora e a sua habilidade na construção de um texto sintético, enxuto, sem rodeios metafóricos, quase áspero, apenas centrado na mensagem que quer comunicar, sem preocupações líricas.

A (R) Dor

meses noites chuva granizo neve (se houvesse) paixão (se houve, um dia) se confundem
nesse arremedo de vida que ensaio todo dia.
não se trata de tua pele, que arde, fogo em brasa, nesta alma em desarranjo com meu
corpo gélido e entorpecido de tanto se curvar
não se trata de teu cheiro, mas desta fenda maculada de onde ainda verte o resquício,
vermelho-vivo, da fúria dos ataques não consentidos ao meu sexo, ao meu corpo, à minha vida.
não se trata mais de ti (posto que de ti nada mais sei)
cópia de teu pai
modelo de teu filho
não se trata mais de ti, de teu cheiro ou de tua pele
mas da miséria do silêncio, da dor que não acaba, do horror da aceitação:
a nossa nunca foi uma história de amor.

E para terminar, mais uma magnífica prosa poética de Mariza Lourenço, desta feita sem o suave timbre melancólico da anterior, quase um queixume, substituído por um tom de amargura, de rebeldia e de desafio de um eu poético inquieto com a sua condição existencial, fechando-se para o mundo. A linguagem despojada de adjetivação e de rodeios metafóricos, as frases curtas e bem pontuadas, a retórica da desilusão, da descrença e do fracasso mais reforçam o “processo de desconstrução” do qual fala o eu poético solitário, ensimesmado, puxando pelos fios da memória como que querendo exorcizar os demônios do passado.

Diário das Horas

I
bateram duas vezes à porta e minha disposição em abri-la é tão miúda quanto a certeza de que sobreviverei a mais um processo de desconstrução. não quero coadjuvantes. minha dor é egoísta. solitária. aguda. e de dor eu entendo como ninguém.
II
sou mulher de prantos.choro por tudo e nada. e o nada tem sido bem mais que tudo. choro manso pra despistar os demônios. choro baixo pra enganar meus fantasmas. ninguém desconfia de nada. e o mundo segue - presumivelmente - feliz.
sem mim.
III
sinto faltas essenciais: de algum amor, de alguma paixão, de algum sexo. e de tempestades. o que antes era profuso agora é reto. e esta linearidade me apavora. não estou preparada para viver em calma perpétua. quase morta.
ainda não.
IV
passei metade da vida levantando bandeiras e tentando compreender meus abismos. passei a vida inteira carpindo a dor alheia e perdendo meus sonhos em qualquer lugar. logo eu, que nunca soube advogar em causa própria, apostei todas as fichas no mesmo jogo.
e perdi.
V
confesso que fui muitas sem ser nenhuma. confesso que me apaixonei demais e amei de menos. confesso que não me lembro de alguns cheiros. de algumas carícias. e do meu primeiro beijo. se, hoje, vomito lembranças é pra justificar esta minha condição de puta.
de um homem só.
VI
entre meus dedos, o terço - presença física de minhas crenças - queima. ando esquecida dos mandamentos. e já não sei onde foi parar meu último pecado. aquele do qual nunca me arrependi. a imagem da Virgem me enxerga, entende e consola.ah!, Senhora, estou nua.
tem piedade de mim.
VII
foi por minha conta e calculado risco que me meti em claustro (mais uma vez) e calei a boca (mais uma vez). batem novamente à porta. (estou assustada). do lado de lá esperam pela mulher de sempre. pelo riso fácil. pela boca pródiga em contar histórias
do lado de lá esperam por respostas que não tenho.
nem pra mim.
Os textos de Glória Tupper, de Layla Lauar e de Mariza Lourenço são uma amostragem da literatura que se pratica no silêncio dos blogs e confirmam plenamente o valor e a importância da literatura virtualista. As três escritoras, pela qualidade estético-literária do que escrevem, fariam sucesso no meio intelectual, se publicassem suas composições. São autores com elas que justificam o interesse dos estudiosos do fenômeno literário em dar a devida atenção para as obras de poetas e de ficcionistas que vicejam em blogs e sites existentes em todos os continentes, pelas revistas literárias e pelas academias literárias que congregam os escritores e as escritoras, dando legitimidade às suas produções.
A força com que vem crescendo a prática da literatura no mundo virtual, ensejou o reconhecimento de um novo movimento denominado Virtualismo. Movimento espontâneo, sem sistema de normas, sem um corpo doutrinário, como foram a maioria dos movimentos que vicejaram no mundo real até o advento do neoclassicismo. O Brasil já participa desse movimento literário desde maio de 2001, quando foi fundada a ABVL- Academia Virtual Brasileira de Letras-, constituindo uma dentre as inúmeras academias virtuais existentes em várias partes do mundo, abrigando poetas e ficcionistas que dinamizam o movimento Virtualismo, formando uma espécie de rede de poesia na literatura universal virtual.


16 de agosto de 2009

A MÍSTICA DO CORPO: EROS LIBERTO

Da minha estréia na blogosfera até chegar à descoberta de que nem tudo nela é uma viagem errante através de uma nebulosa, na qual nada realmente gratificante e proveitoso há para oferecer, levou um alargado e desperdiçado tempo que, graças a Chronos já não passa de poeira de vagas lembranças destinadas à terra do olvido absoluto. Na medida em que, em minhas deambulações, fui descobrindo o lado luminoso e fascinante que existe no mundo virtual, retomei o entusiasmo por este universo paralelo que se abre em possibilidades múltiplas de realizações e de contatos sociais muito gratificantes.
Todavia, o que não esperava encontrar era o elo quase perdido com a literatura feminina. E ele ali estava, diante de mim, na melhor e mais prazerosa surpresa que me foi a descoberta de mulheres escritoras, talentosas e inteligentes, autoras de poesias, narrativas de ficção e crônicas de grande interesse e qualidade estético-literários. Apaixonada pela literatura, especialmente a que é produzida pelas mulheres, senti-me feliz por ter encontrado o porto seguro que buscava na leitura dos textos de Glória Tupper, de Mariza Lourenço e de Layla Lauar, três talentosas escritoras e mulheres de personalidades fortes, modernas e antenadas com formas de poetar em voga nos horizontes da melhor expressão literária.
Todavia, antes de entrar na apresentação e comentários dos textos poéticos de Glória Tupper necessário se faz algumas ponderações sobre a poesia erótica, gênero dominante do discurso da escritora, como é no de tantas mulheres que ousaram e ousam, desenvoltas e cheias de dignidade, libertarem-se dos espartilhos da auto-censura, do receio de exteriorizarem suas emoções, seus sentimentos e os seus multifacetados desejos vividos e/ou imaginados.
A poesia de Glória Tupper se inscreve na vertente erótica do lirismo contemporâneo, desenvolvendo a temática do corpo liberto dos tentáculos da repressão. Ela segue pelos caminhos libertários dos que fazem uma literatura transgressiva em relação aos tabus culturais e religiosos que interditaram durante séculos, principalmente à mulher, a expressão da sua sensualidade. Com efeito, Glória busca exatamente realizar uma literatura que se erga como um libelo em favor da liberdade de expressão. Se tivesse tentado publicar tais poesias até a década de cinqüenta do século XX, decerto teria sido esmagada pela crítica defensora da moral (falsa moral) e dos bons costumes, como foram tantas escritoras até meados do século passado.
Vale lembrar que, apesar da revolução modernista, somente após a segunda guerra mundial as mulheres começaram a invadir o círculo fechado da literatura. No início, ainda timidamente, depois com ímpeto e atitude, figuras femininas notáveis estreavam nas letras, não apenas em quantidade surpreendente como em qualidade excepcional. Nas obras destas poetas, além da evidente identificação com as “novidades” estéticas e temáticas trazidas ou ressuscitadas pelos modernistas, avulta a retomada do discurso erótico inaugurado no lirismo feminino português por Florbela Espanca e Judith Teixeira e, no Brasil, por Gilka Machado. Tal retomada foi, talvez, uma tomada de consciência por parte das mulheres do quanto ainda havia de repressão no que toca a expressão da sexualidade feminina, seja na vivência íntima de cada uma, seja do próprio discurso literário, amordaçado para qualquer manifestação erótica por parte dos ideólogos e defensores da moral e dos bons costumes.
Nas derradeiras décadas do século XX, as poetas já não se adequavam ao desgastado figurino da poesia confessional, da expressão sentimental, mais das vezes voltado para a retórica da infelicidade, da dor e das lágrimas que vinha ameaçando perpetuar-se no lirismo feminino. A poesia da geração de mulheres surgida após a revolução modernista, especialmente em Portugal, nutrira-se na seiva de uma consciência mais aguçada acerca da realidade do amor, da verdade do corpo, do direito de ser mulher e, principalmente, da urgência de um grito de independência, de busca da plena liberdade de expressão. O lirismo feminino assumiu uma dimensão vivencial, revelou-se na plenitude de sua humanidade e temporalidade. Esta poesia quase não fala de dor, fala de amor, de desejo, de luxúria, de prazer e de felicidade. Nela a expressão do amor sensual é uma “festa do corpo”, como bem testemunha a poesia de Glória:

Highway
Meus espaços te anseiam
Todo meu corpo arde
Em tremores de desejo
Em lembranças de prazeres vividos.

Conheces meus caminhos
Que se abrem em via de mão única
E por onde percorres com perícia,
Por onde passeias tuas audácias

E onde não há sinal fechado.
Mas se houver, ah, por favor!
Ultrapasse!

A partir da década de 70, a liberdade da linguagem acentuou-se. As escritoras tomaram as rédeas do seu discurso, libertam a linguagem feminina de todas as interdições e tabus milenares, deram expressão poética ao erotismo, enriquecem o repertório temático da poesia com temas transbordantes de sentimento estético da sensualidade, do desejo, da fruição dos prazeres do corpo. A nova linguagem obedecia a uma nova gramática, exigia que se lesse a poesia com o espírito despojado de malícia, da noção cerceadora do pecado e livre do peso da culpa.

Cadência
Gosto quando se enrosca
Entre minhas pernas
E me faz arrepiar.

Gosto quando suprime meus sentidos
Num gozo alucinante
Onde tudo é pulsar.
Gosto de suas palavras doce

Tanto quanto amo as mais sórdidas.
Com você sou namorada
Me transformo em amante
Viro mulher da vida
E voto a ser menina.

Porque seu corpo é uma máquina perfeita
Que pulsa na cadência
Exata, precisa
Do meu infinito desejo.

Talvez pela primeira vez, na poesia feminina posterior aos anos cinquenta, a mulher tenha ousado expressar o seu encantamento com o corpo do homem, com a beleza das formas masculinas. Já não é mais o homem o único a falar do seu desejo, da sedução do corpo da mulher amada, do mágico delírio que o seu toque desata. Glória ousadamente resgata a sexualidade feminina, a sua participação ativa na relação amorosa (Quero teu cheiro de macho / invadindo meu quarto) o seu direito ao prazer e à realização das suas fantasias eróticas (Suga minha boca / Orfã de você / Passeia pelo meu corpo/ Como se não conhecesse o caminho a percorre / Segura minha cintura / E se encaixa em mim / Fundindo seu corpo ao meu / num frenesi alucinado e sem fim/ me explora, me usa) tudo em sua poesia é um canto de exaltação à harmonia do corpo com o amor que impulsiona o desejo, ela promove somente a libertação do discurso poético feminino das amarras que bloqueavam ou interditavam a verbalização da sua sexualidade, a menção de sua intimidade, ela também libera o corpo, as partes do corpo e seus segredos.

Melodia
Quero teu cheiro de macho
Invadindo meu quarto
Impregnando meus lençóis
Penetrando em minha pele.
Quero tua indecência
Tua falta de inocência,
Teu despudor escancarado:
Quando me tomas como mulher.
Quero não saber onde começo
Nem onde terminas
Só quero que seja contínuo
E inesgotável.
Somos dois instrumentos
Produzindo os mesmos sons
Sou ritmo. Es cadência
Somos melodia de amor.

O homem deixa de ocupar o papel principal na ribalta amorosa, o que conduz o ato sexual e a busca do seu próprio prazer, agora conduzido também pela mulher, pelos caminhos das suas fantasias eróticas e das exigências do seu desejo.

Voraz

Te quero desde sempre
Então quando começar
Não pare.
Comece devagar
Como se fosse
A primeira vez
Depois intensifique
A dose de carinho
Faça-se urgente
Voraz e faminto
E acalme a fome
Que tenho de ti.

Ela já não se coloca como a aprendiz de outrora. Ela conhece o próprio corpo, ela sabe onde o desejo se agita.

Êxtase
Sopra tua vida para dentro de mim
Aquece-me com teu calor
E me faz transbordar de prazer.
Despeja teu desejo e me sacia
Porque de ti quero beber até a última gota
Quero esgotar todos os teus músculos
Acelerar tua respiração
Resgatar tua loucura
Por trás da sanidade aparente.
Quero-te homem e menino
Segurando teu desejo
Esperando meu momento
Para juntos explodirmos
Num êxtase sem fim.

O homem é o parceiro e o cúmplice da mulher na aventura suprema da fruição recíproca dos prazeres da carne e do amor correspondido ou consentido. É de amor que a poeta fala em seus poemas, mas de um amor total que liga o homem e a mulher por todas as pontas do ser com laços indestramáveis, cujas laçadas seguras fundem e confundem os corpos e os sentimentos, a força do desejo e a intensidade do amor, as delícias da carne e os deleites do coração, é o amor nivelador das diferenças, é o sentimento que desconhece o preconceito.

Lord Negro
A voz macia e pausada
Lentamente invade meus sentidos
E me transporta para outras dimensões
Como se bailasse dentro dos meus ouvidos
Seus olhos negros me fitam
Sinceros, profundos
Desnudam a minha alma
E penetram nos meus sonhos.
Delicado e másculo
Sensível e forte
Doce e viril
Suave e intenso

Glória procura desconstruir a imagem tradicional da mulher, por resgatar a identidade feminina. O homem perde o seu estatuto de parte ativa, a quem cabe conduzir a relação a dois. Ao contrário disto, ele é o parceiro, o cúmplice da mulher na aventura suprema da fruição recíproca dos prazeres da carne e do amor correspondido ou consentido.

Renda-me

Toma de assalto a minha alma
Rouba meu desejo proibido
E me faz tremer... de desejo.
Domina-me
Imobiliza minhas pernas
Invade a minha boca
E vasculha os bolsos do meu corpo.
Assalta-me
Tira de mim minhas riquezas
E eu me entrego incondicionalmente
Rendo-me a você.

A mulher coloca-se na posição de defensora do seu prazer, ousando ensinar ao parceiro, conduzi-lo na vertigem da viagem pelo corpo aceso pelo desejo, subvertendo assim a tradição milenar que impunha à mulher uma atitude submissa, a aceitação passiva de mero objeto do prazer masculino. Feminina e plural, Glória representa muito bem a figura da mulher contemporânea, intensa, forte, resoluta, feminina e cheia de orgulhosa certeza de que ser mulher não é fácil, que desbravar os caminhos da liberdade e da auto afirmação pode ser uma dolorosa experiência, mas que é a trilha mais curta para se chegar à sabedoria.
Na verdade, o desdobramento do seu ser “feminino e singular”, por ser único e insubstituível, em uma pluralidade de diversificados papéis exiigidos pela própria vida, é o que faz de Glória uma legítima mulher deste aquariano e libertador terceiro milênio: um ser ímpar, reinventado e reconstruído por ela mesma a cada dia, com a coragem e a dignidade de um ser dotado de insondável magia que, mesmo enfrentando tempestades ou calmarias, sabe que é preciso navegar. Sempre!

Seminário Nacional e Internacional Mulher & Literatura

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Seminário Nacional e Internacional Mulher & Literatura será realizado em Natal


Ocorrerá entre os dias 02 e 04 de setembro o XIII Seminário Nacional Mulher e Literatura e IV Seminário Internacional Mulher e Literatura, que conta com o apoio do Curso de Letras da UnP. O Seminário agregará uma proposta de ampliação dos espaços de reflexão através do envolvimento com áreas do conhecimento em que as questões de gênero também se façam presentes, tais como: Educação, Comunicação, Ciências Sociais, História, Psicanálise e Artes.

O evento será constituído por conferências, sessões de comunicação, minicursos, performances culturais, homenagens às escritoras Maria Teresa Horta e Diva Cunha, além de sessões de depoimentos que divulgarão as pesquisas que hoje constituem o referencial do Grupo de Trabalho "A Mulher na Literatura". Mais informações pelo telefone (84) 3215-1110.

As mulheres têm, no dizer de Maria Tereza Horta, "um pacto/ com aquilo que/ voa". Essa trajetória de liberdade tem sido cada vez mais alta porque mais sábia, mais desterritorializada, ou territorializada na travessia, no deslocamento. Na memória se acumulam trajetórias de vida, de leituras. "Sou todos os poetas que li", afirma Diva Cunha, mas ressalva: "eles não são eu". O trajeto do voo empreendido pelas mulheres tem cada vez mais buscado a afirmação de uma "boca ávida debruçada/ à janela deste prato/ barco de longa ida". É assim que tem sido construída uma memória de dores, mas também de lutas, de aprendizados, de conquistas, uma história que vem sendo contada com suor e poesia, inteligência e pele.

Como diz Maria Tereza Horta: "Da memória/ oposta ao esquecimento/ faço com ela febre ou cicatriz".Neste ano de 2009, o XIII Seminário Nacional Mulher & Literatura e o IV Seminário Internacional Mulher e Literatura, homenageando Diva Cunha e Maria Tereza Horta, conclamam a todos para a febre que impulsiona e para as cicatrizes que ensinam. Memórias, representações, trajetórias: o tema está posto na mesa, aguardando o debate.