Da minha estréia na blogosfera até chegar à descoberta de que nem tudo nela é uma viagem errante através de uma nebulosa, na qual nada realmente gratificante e proveitoso há para oferecer, levou um alargado e desperdiçado tempo que, graças a Chronos já não passa de poeira de vagas lembranças destinadas à terra do olvido absoluto. Na medida em que, em minhas deambulações, fui descobrindo o lado luminoso e fascinante que existe no mundo virtual, retomei o entusiasmo por este universo paralelo que se abre em possibilidades múltiplas de realizações e de contatos sociais muito gratificantes.
Todavia, o que não esperava encontrar era o elo quase perdido com a literatura feminina. E ele ali estava, diante de mim, na melhor e mais prazerosa surpresa que me foi a descoberta de mulheres escritoras, talentosas e inteligentes, autoras de poesias, narrativas de ficção e crônicas de grande interesse e qualidade estético-literários. Apaixonada pela literatura, especialmente a que é produzida pelas mulheres, senti-me feliz por ter encontrado o porto seguro que buscava na leitura dos textos de Glória Tupper, de Mariza Lourenço e de Layla Lauar, três talentosas escritoras e mulheres de personalidades fortes, modernas e antenadas com formas de poetar em voga nos horizontes da melhor expressão literária.
Todavia, antes de entrar na apresentação e comentários dos textos poéticos de Glória Tupper necessário se faz algumas ponderações sobre a poesia erótica, gênero dominante do discurso da escritora, como é no de tantas mulheres que ousaram e ousam, desenvoltas e cheias de dignidade, libertarem-se dos espartilhos da auto-censura, do receio de exteriorizarem suas emoções, seus sentimentos e os seus multifacetados desejos vividos e/ou imaginados.
A poesia de Glória Tupper se inscreve na vertente erótica do lirismo contemporâneo, desenvolvendo a temática do corpo liberto dos tentáculos da repressão. Ela segue pelos caminhos libertários dos que fazem uma literatura transgressiva em relação aos tabus culturais e religiosos que interditaram durante séculos, principalmente à mulher, a expressão da sua sensualidade. Com efeito, Glória busca exatamente realizar uma literatura que se erga como um libelo em favor da liberdade de expressão. Se tivesse tentado publicar tais poesias até a década de cinqüenta do século XX, decerto teria sido esmagada pela crítica defensora da moral (falsa moral) e dos bons costumes, como foram tantas escritoras até meados do século passado.
Vale lembrar que, apesar da revolução modernista, somente após a segunda guerra mundial as mulheres começaram a invadir o círculo fechado da literatura. No início, ainda timidamente, depois com ímpeto e atitude, figuras femininas notáveis estreavam nas letras, não apenas em quantidade surpreendente como em qualidade excepcional. Nas obras destas poetas, além da evidente identificação com as “novidades” estéticas e temáticas trazidas ou ressuscitadas pelos modernistas, avulta a retomada do discurso erótico inaugurado no lirismo feminino português por Florbela Espanca e Judith Teixeira e, no Brasil, por Gilka Machado. Tal retomada foi, talvez, uma tomada de consciência por parte das mulheres do quanto ainda havia de repressão no que toca a expressão da sexualidade feminina, seja na vivência íntima de cada uma, seja do próprio discurso literário, amordaçado para qualquer manifestação erótica por parte dos ideólogos e defensores da moral e dos bons costumes.
A poesia de Glória Tupper se inscreve na vertente erótica do lirismo contemporâneo, desenvolvendo a temática do corpo liberto dos tentáculos da repressão. Ela segue pelos caminhos libertários dos que fazem uma literatura transgressiva em relação aos tabus culturais e religiosos que interditaram durante séculos, principalmente à mulher, a expressão da sua sensualidade. Com efeito, Glória busca exatamente realizar uma literatura que se erga como um libelo em favor da liberdade de expressão. Se tivesse tentado publicar tais poesias até a década de cinqüenta do século XX, decerto teria sido esmagada pela crítica defensora da moral (falsa moral) e dos bons costumes, como foram tantas escritoras até meados do século passado.
Vale lembrar que, apesar da revolução modernista, somente após a segunda guerra mundial as mulheres começaram a invadir o círculo fechado da literatura. No início, ainda timidamente, depois com ímpeto e atitude, figuras femininas notáveis estreavam nas letras, não apenas em quantidade surpreendente como em qualidade excepcional. Nas obras destas poetas, além da evidente identificação com as “novidades” estéticas e temáticas trazidas ou ressuscitadas pelos modernistas, avulta a retomada do discurso erótico inaugurado no lirismo feminino português por Florbela Espanca e Judith Teixeira e, no Brasil, por Gilka Machado. Tal retomada foi, talvez, uma tomada de consciência por parte das mulheres do quanto ainda havia de repressão no que toca a expressão da sexualidade feminina, seja na vivência íntima de cada uma, seja do próprio discurso literário, amordaçado para qualquer manifestação erótica por parte dos ideólogos e defensores da moral e dos bons costumes.
Nas derradeiras décadas do século XX, as poetas já não se adequavam ao desgastado figurino da poesia confessional, da expressão sentimental, mais das vezes voltado para a retórica da infelicidade, da dor e das lágrimas que vinha ameaçando perpetuar-se no lirismo feminino. A poesia da geração de mulheres surgida após a revolução modernista, especialmente em Portugal, nutrira-se na seiva de uma consciência mais aguçada acerca da realidade do amor, da verdade do corpo, do direito de ser mulher e, principalmente, da urgência de um grito de independência, de busca da plena liberdade de expressão. O lirismo feminino assumiu uma dimensão vivencial, revelou-se na plenitude de sua humanidade e temporalidade. Esta poesia quase não fala de dor, fala de amor, de desejo, de luxúria, de prazer e de felicidade. Nela a expressão do amor sensual é uma “festa do corpo”, como bem testemunha a poesia de Glória:
Highway
Meus espaços te anseiam
Todo meu corpo arde
Em tremores de desejo
Em lembranças de prazeres vividos.
Conheces meus caminhos
Em tremores de desejo
Em lembranças de prazeres vividos.
Conheces meus caminhos
Que se abrem em via de mão única
E por onde percorres com perícia,
Por onde passeias tuas audácias
E onde não há sinal fechado.
E onde não há sinal fechado.
Mas se houver, ah, por favor!
Ultrapasse!
A partir da década de 70, a liberdade da linguagem acentuou-se. As escritoras tomaram as rédeas do seu discurso, libertam a linguagem feminina de todas as interdições e tabus milenares, deram expressão poética ao erotismo, enriquecem o repertório temático da poesia com temas transbordantes de sentimento estético da sensualidade, do desejo, da fruição dos prazeres do corpo. A nova linguagem obedecia a uma nova gramática, exigia que se lesse a poesia com o espírito despojado de malícia, da noção cerceadora do pecado e livre do peso da culpa.
Cadência
Gosto quando se enrosca
Entre minhas pernas
E me faz arrepiar.
Gosto quando suprime meus sentidos
Gosto quando suprime meus sentidos
Num gozo alucinante
Onde tudo é pulsar.
Gosto de suas palavras doce
Tanto quanto amo as mais sórdidas.
Gosto de suas palavras doce
Tanto quanto amo as mais sórdidas.
Com você sou namorada
Me transformo em amante
Viro mulher da vida
E voto a ser menina.
Porque seu corpo é uma máquina perfeita
Que pulsa na cadência
Porque seu corpo é uma máquina perfeita
Que pulsa na cadência
Exata, precisa
Do meu infinito desejo.
Talvez pela primeira vez, na poesia feminina posterior aos anos cinquenta, a mulher tenha ousado expressar o seu encantamento com o corpo do homem, com a beleza das formas masculinas. Já não é mais o homem o único a falar do seu desejo, da sedução do corpo da mulher amada, do mágico delírio que o seu toque desata. Glória ousadamente resgata a sexualidade feminina, a sua participação ativa na relação amorosa (Quero teu cheiro de macho / invadindo meu quarto) o seu direito ao prazer e à realização das suas fantasias eróticas (Suga minha boca / Orfã de você / Passeia pelo meu corpo/ Como se não conhecesse o caminho a percorre / Segura minha cintura / E se encaixa em mim / Fundindo seu corpo ao meu / num frenesi alucinado e sem fim/ me explora, me usa) tudo em sua poesia é um canto de exaltação à harmonia do corpo com o amor que impulsiona o desejo, ela promove somente a libertação do discurso poético feminino das amarras que bloqueavam ou interditavam a verbalização da sua sexualidade, a menção de sua intimidade, ela também libera o corpo, as partes do corpo e seus segredos.
Melodia
Quero teu cheiro de macho
Invadindo meu quarto
Impregnando meus lençóis
Penetrando em minha pele.
Quero tua indecência
Tua falta de inocência,
Teu despudor escancarado:
Quando me tomas como mulher.
Quero não saber onde começo
Nem onde terminas
Só quero que seja contínuo
E inesgotável.
Somos dois instrumentos
Produzindo os mesmos sons
Sou ritmo. Es cadência
Somos melodia de amor.
O homem deixa de ocupar o papel principal na ribalta amorosa, o que conduz o ato sexual e a busca do seu próprio prazer, agora conduzido também pela mulher, pelos caminhos das suas fantasias eróticas e das exigências do seu desejo.
Voraz
Te quero desde sempre
Então quando começar
Te quero desde sempre
Então quando começar
Não pare.
Comece devagar
Comece devagar
Como se fosse
A primeira vez
Depois intensifique
A dose de carinho
Faça-se urgente
Voraz e faminto
E acalme a fome
Que tenho de ti.
Que tenho de ti.
Ela já não se coloca como a aprendiz de outrora. Ela conhece o próprio corpo, ela sabe onde o desejo se agita.
Êxtase
Sopra tua vida para dentro de mim
Aquece-me com teu calor
E me faz transbordar de prazer.
Despeja teu desejo e me sacia
Porque de ti quero beber até a última gota
Quero esgotar todos os teus músculos
Acelerar tua respiração
Resgatar tua loucura
Por trás da sanidade aparente.
Quero-te homem e menino
Segurando teu desejo
Esperando meu momento
Para juntos explodirmos
Num êxtase sem fim.
O homem é o parceiro e o cúmplice da mulher na aventura suprema da fruição recíproca dos prazeres da carne e do amor correspondido ou consentido. É de amor que a poeta fala em seus poemas, mas de um amor total que liga o homem e a mulher por todas as pontas do ser com laços indestramáveis, cujas laçadas seguras fundem e confundem os corpos e os sentimentos, a força do desejo e a intensidade do amor, as delícias da carne e os deleites do coração, é o amor nivelador das diferenças, é o sentimento que desconhece o preconceito.
Lord Negro
A voz macia e pausada
Lentamente invade meus sentidos
E me transporta para outras dimensões
Como se bailasse dentro dos meus ouvidos
Seus olhos negros me fitam
Sinceros, profundos
Desnudam a minha alma
E penetram nos meus sonhos.
Delicado e másculo
Sensível e forte
Doce e viril
Suave e intenso
Lentamente invade meus sentidos
E me transporta para outras dimensões
Como se bailasse dentro dos meus ouvidos
Seus olhos negros me fitam
Sinceros, profundos
Desnudam a minha alma
E penetram nos meus sonhos.
Delicado e másculo
Sensível e forte
Doce e viril
Suave e intenso
Glória procura desconstruir a imagem tradicional da mulher, por resgatar a identidade feminina. O homem perde o seu estatuto de parte ativa, a quem cabe conduzir a relação a dois. Ao contrário disto, ele é o parceiro, o cúmplice da mulher na aventura suprema da fruição recíproca dos prazeres da carne e do amor correspondido ou consentido.
Renda-me
Toma de assalto a minha alma
Rouba meu desejo proibido
E me faz tremer... de desejo.
Domina-me
Rouba meu desejo proibido
E me faz tremer... de desejo.
Domina-me
Imobiliza minhas pernas
Invade a minha boca
E vasculha os bolsos do meu corpo.
Assalta-me
Tira de mim minhas riquezas
E eu me entrego incondicionalmente
Rendo-me a você.
Rendo-me a você.
A mulher coloca-se na posição de defensora do seu prazer, ousando ensinar ao parceiro, conduzi-lo na vertigem da viagem pelo corpo aceso pelo desejo, subvertendo assim a tradição milenar que impunha à mulher uma atitude submissa, a aceitação passiva de mero objeto do prazer masculino. Feminina e plural, Glória representa muito bem a figura da mulher contemporânea, intensa, forte, resoluta, feminina e cheia de orgulhosa certeza de que ser mulher não é fácil, que desbravar os caminhos da liberdade e da auto afirmação pode ser uma dolorosa experiência, mas que é a trilha mais curta para se chegar à sabedoria.
Na verdade, o desdobramento do seu ser “feminino e singular”, por ser único e insubstituível, em uma pluralidade de diversificados papéis exiigidos pela própria vida, é o que faz de Glória uma legítima mulher deste aquariano e libertador terceiro milênio: um ser ímpar, reinventado e reconstruído por ela mesma a cada dia, com a coragem e a dignidade de um ser dotado de insondável magia que, mesmo enfrentando tempestades ou calmarias, sabe que é preciso navegar. Sempre!
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