22 de março de 2011

A poesia de Maria Teresa Galveias


Poetisa nascida em Alcobaça, em 1932. Depois de casada, passou a residir em Lisboa.embora desde muito jovem tenha começado a escrever, só veio a publicar o seu primeiro livro de poesias– Fronteira - em 1959, o qual, sendo considerado a melhor obra estreante do ano, foi galardoado com o primeiro prêmio de originais do S.N.I. A poetisa já vinha obtendo prêmios em sucessivos “Jogos florais” realizados em diversas cidades portuguesas e das Ilhas açorianas, além de inúmeras menções honrosas. Suas poesias estão incluídas na Antologia do Prémio Almeida Garrett, editada pelo Ateneu Comercial do Porto. Depois da publicação de Fronteira, escreveu outros livros, dentre os quais Uevu (Ouçam), em 1968. 
A seguir, poemas do livro Fronteiras, no qual as poesias são percorridas por um sopro de refinada religiosidade, de sutil moralidade, de apelo por uma paz, fruto de reflexões da poetisa acerca da violência que abala o mundo dos homens, subjugados pela insanidade das guerras: 

PROMESSA
De cada céu cruzado
E metralhado,
Por projécteis de fogo e de mistério;
De cada mar sulcado
E penetrado,
Por engenhos sem forma nem destino;
De cada mundo violado
E desmembrado,
De cada olhar sem fé,
Nem luz, nem brilho
É que há-de renascer outro Deus – Filho!

SIBÉRIA
Prenderam-lhe nos pés,
Sem sequer ser julgado,
Uma ignóbil cadeia de grilhetas,
E nos seus olhos calmos, juvenis,
Como um clarão foi lida uma vendeta!
Não sabe se regressa nalgum dia,
Prisão sem grade a neve que o encerra,
A mãe o espera, a noiva o imagina,
Sem lar nem cruz,
Só prisioneiro de guerra.


Em todas as poesias de Fronteira, o discurso de Maria Teresa Galveias surge sempre impregnado de um pessimismo que transita por seus versos, plasmado pelo viés de uma impessoalidade que não deixa entrever a mínima fração do interior do “eu-poético”. Este assume-se como o aporta-voz do tédio e da agonia (nos enche a alma toda de amplidão / no esboço dum bocejo), do niilismo que recobre toda a esperança (procuro ainda, e os meus passos vão / em torno da verdade projectada, / somente os olhos cegos de amplidão / querem cerrar-se em nada) de quem, melancolicamente conclui, que no final da travessia existencial, na “fronteira” que separa as duas realidades do homem – a vida e a morte – este só tem uma certeza: a da sua finitude na vida terrena. O resto é indagação e nada mais, pois como ela adverte: 

Quem fez a travessia não voltou
Que outro mundo é lá
E a vida finda.
Deste lado sabemos o que existe,
Triste daquele
Que tenta ainda.

No poema Revelação, depois de fazer todo o inventário das coisas que cantou em seus versos – natureza, o universo, Deus e o homem – conclui que nada disto, “nada foi poesia”, nem poeta era ainda. Pois, como “revela” no fecho do poema: Só quando tu vieste, meu amor / trazendo em ti um cântico diverso / É que nasci poeta em cada verso.
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Zenóbia Collares Moreira. O Itinerário da poesia feminina portuguesa: Século XX,,,



5 de março de 2011

O real cotidiano na poesia de Teresa Rita Lopes.


Só contigo reparto o meu farnel
de quotidianos fardos e alegrias
breves e desta brasa em chaga
Teresa Rita Lopes

Teresa Rita Lopes nasceu e viveu em Faro, no Algarve até vir para Lisboa cursar a Faculdade de Letras. Nos anos 60 foi obrigada a ir para Paris, onde viveu cerca de 20 anos, doutorando-se e lecionando na Sorbonne. Em princípios da década de 80, regressou a Lisboa, onde é professora na Universidade Nova. Como pesquisadora e ensaísta, tem tido particular interesse por Fernando Pessoa e Miguel Torga.
A poetisa e ensaísta Teresa Rita faz coro com outras vozes poéticas femininas que, na década de oitenta, dão continuidade à prática de um tipo de poesia voltada para a reabilitação do real quotidiano, no seu caso através de um discurso conduzido pela emoção, pela afetividade:

Junto a um muro velho
A uma casa ruída
A velha amendoeira diz que não
À morte
E fica
De repente
Menina e noiva
Ao mesmo tempo
O vento ri-se dela
Arranca-lhe as pétalas
-Mas são tantas que não se nota –
Escarnece-a:
“És uma velha louca de véu e grinalda!” –
para enxotar os insultos machistas do velho
vento

Os poemas curtos, a forma minimalista somam-se nos poemas de Teresa Rita Lopes que compõem o seu livro A Fímbria da fala, no qual “uma só palavra constitui um verso”, da mesma forma que o substantivo domina o campo da expressão poética, como exemplifica o poema Dia a dia:

Dia 
a
dia
noite
a
noite
pedra
a
pedra
palha
a
palha
a
tronco
a
tronco
cuspo
a
cuspo
gesto
a
gesto
passo
a
passo
flor
a
flor
se faz um ninho
um caminho


Tristeza porque não
mas não
tristeza vidro sujo a cuspir sua vileza
sobre todas as paisagens
não tristeza dente podre
a proibir qualquer sorriso
não tristeza nódoa de gordura sobre
a seda natural deste mar
deste ar
Tristeza ah porque não
avança sobre
mim mas toca harpa
cobre-me de luto
sem vergar ombros
sê uma auréola
de negra luz sobre a minha cabeça
Quando te tinha
Mãe
Não sabia
Havia
De te perder
Nem pensava
Sequer
Que podia
Não te ter
Não parava
Para te saborear
Para te saber
Tão precisa
À minha vida
Tão preciosa
Não gozava
A alegria
De te saber
Mãe

Agora que morreste Mãe
e só em mim te tenho
sou mais que o meu tamanho
porque sou tu também
Tuas mãos afagam as minhas mãos
de quem são estes gestos esta pele?
Nunca me deste irmãos
só contigo reparto o meu farnel
de quotidianos fardos e alegrias
breves e desta brasa em chaga
Que é a tua ausência nos meus dias
órfãos mas sempre ao colo desta mágoa
de não te ter sido esquiva
de não te ter nunca aberto as portas
do meu ser de nunca te ter dado vivas

A obra das poetisas da década de 80 são de suma importância para a renovação da poesia, não apenas porque leva em seu bojo heranças de décadas anteriores que se foram desdobrando em outras, assumindo roupagens diferentes e ressurgindo através de novas linguagens. No fértil terreno dessas mutações renovadoras fincaram-se as raízes uma nova forma de realismo que recupera a poesia do quotidiano sob uma outra perspectiva que nada deve à poesia do quotidiano consagrada por Cesário Verde, no século XIX. É sobre a realidade do século XX, a partir da visão particularizada de mulheres de uma outra era que esse quotidiano é focalizado.



Zenóbia Collares Moreira. O Intinerário da poesia feminina portuguesa, sd.