Na poesia camoniana, o destino, a fortuna ou o fado são denominações dadas para designar uma mesma força obscura, malévola e caprichosa que governa a vida do homem e à qual este não pode escapar.
Maria Vitalina Leal de Matos considera de suma importância para a compreensão geral da obra camoniana que se tenha uma percepção alargada da dimensão e da importância que o poeta atribui ao Destino, bem como do significado deste em sua obra.
Sob várias denominações – Fortuna, Fado, Ventura, Má Estrela, Sorte –, o poeta culpabiliza o Destino inexorável pelas conjunto de situações adversas que “se conjuraram” para fazer da vida dele uma trajetória de dor, de infelicidade e padecimentos contínuos.
Ah! Fortuna cruel! Ah! Duros Fados!
Quão asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
E agora descansais aos meus cuidados.
Deixastes-me sentir os bens passados,
Pera mor dor da dor que me ordenastes;
Então numa hora juntos nos levastes,
Deixando em seu lugar males dobrados.
Ah! Quanto melhor fora não vos ver,
Gostos que assi passais tão de corrida,
Que fico duvidoso se vos vi!
Sem vós já me nãi fica que perder,
Senão se for esta cansada vida,
Que por mor perda minha não perdi!
Assim, na lírica e no canto épico de Os Lusíadas, Camões desabafa, queixa-se, questiona e tenta compreender incessantemente “a razão de ser daquilo que o espanta. Por que sofrer tanto? Por qual razão os males se acumulam e a Fortuna se encarniça contra o poeta retirando até um malévolo gozo da sua desdita?” [...] Por que é que as coisas são tão contrárias àquilo que deveria ser? Por que “as Estrelas e o Fado sempre fero / com meu perpétuo dano se recreiam?”
Tais questionamentos ficam sem resposta, restando a Camões apenas o espanto perante a sua infelicidade e a certeza de que:
“Verdade, Amor, Razão, Merecimento
qualquer alma farão segura e forte.
Porém Fortuna, Caso, Tempo e Sorte
têm do confuso mundo o regimento”.
A dor de viver camoniana aparece reiteradamente em sua lírica associada às adversidades causadas pelos “tiros / da soberba Fortuna; / soberba, inexorável, importuna”, pela qual é submetido e arrastado à perdição, ao despojamento de todo o bem, restando-lhe apenas o bálsamo da morte:
Posto me tem Fortuna em tal estado,
e tanto a seus pés me tem rendido!
não tenho que perder já, de perdido;
não tenho que mudar já, de mudado.
Todo o bem pera mim é acabado;
daqui dou o viver já por vivido;
que, aonde o mal é tão conhecido,
também o viver mais será 'scusado.
Se me basta querer, a morte quero,
que bem outra esperança não convém;
e curarei um mal com outro mal.
E, pois do bem tão pouco bem espero,
já que o mal este só remédio tem,
não me culpem em querer remédio tal.
Pouco afeito à poesia de cunho religioso, Camões não segue pelas trilhas de muitos poetas seus contemporâneos que, perante as ciladas da Fortuna e as adversidades da vida, buscam na religião a resposta e o refúgio para as suas dores. Se o sentido da vida como luta extenuante desperta em sua alma um anseio de libertação através da morte, ele não a deseja ou aguarda como promessa de bem-aventurança no Paraíso celeste, onde a utopia católica fincou os seus alicerces. Para o poeta, a morte afigura-se como libertação da dor de viver, deseja-a porque para “o mal” que o atormenta “este só remédio tem”.
O pessimismo, a postura melancólica, o desengano e a profunda dor de viver, que atravessam grande parte da produção poética camoniana, são traços definidores do maneirismo, no qual se inscreve o poeta.