25 de março de 2013

O erotismo na poesia de Cruz e Sousa.




DILACERAÇÕES

Ó carnes que eu amei sangrentamente,
ó volúpias letais e dolorosas,
essências de heliotropos e de rosas
de essência morna, tropical, dolente...

Carnes, virgens e tépidas do Oriente
do Sonho e das Estrelas fabulosas,
carnes acerbas e maravilhosas,
tentadoras do sol intensamente...

Passai, dilaceradas pelos zelos,
através dos profundos pesadelo
que me apunhalam de mortais horrores...

Passai, passai, desfeitas em tormentos,
em lágrimas, em prantos, em lamentos
em ais, em luto, em convulsões, em dores...


Esse soneto é um belo e típico exemplo do erotismo maldito de Cruz e Sousa. Note que ele faz, na primeira estrofe, uma invocação, ainda que vaga, a carnes que amou “sangrentamente”. Se unirmos essa idéia ao título do poema e aos sinônimos em gradação da última estrofe, descobriremos uma mistura entre amor e dor, sofrimento. Estaria o poeta expressando seus impulsos sádicos? Ou estaria relatando a perda da virgindade? Difícil descobrir, já que se assume aqui o típico tom impreciso, vago dos simbolistas.

 Fonte:
Excerto de discurso pronunciado pelo Senador Artur da Távola, na tribuna do Senado Federal, homenageando Cruz e Sousa, como poeta, em 19 de março de 1998. Publicado por: Senado Federal – Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 1998.

15 de março de 2013

José Anastácio da Cunha. Os Porquês do Amor...

José Anastácio da Cunha, poeta integrado no pré-romantismo português, deixou uma valiosa obra poética inédita, com poemas de amor impregnados de sentimento e sensualidade. Todos escritos para sua amante Margarida (Marfisa), a quem amou apaixonadamente, constituem uma preciosidade enquanto expressão do amor sensual numa fase da literatura e da vida social nas quais os arroubos carnais eram, ainda, considerados um tabu, rompido pelos poetas pré-românticos, especialmente pelos que não escreviam seus poemas para serem publicados. Com efeito, o volume manuscrito dos versos do poeta José Anastácio da Cunha só ficaram conhecidos muitos anos após a sua morte, graças ao poeta Almeida Garrett que o encontrou e, maravilhado com a qualidade da coletânea, providenciou a sua publicação no ano de 1839. Este poeta não foi o único a deixar sua obra poética  manuscrita e, portanto, desconhecida pelos seus contemporâneos. Justifica tal atitude o fato de não serem os poetas vistos com bons olhos na sociedade do seu tempo. Talvez por ser lente na Universidade de Coimbra, onde lecionava matemática, o poeta tenha evitado aparecer como tal, especialmente devido ao teor confessional e a intensidade erótica das suas poesias de amor.


                                       Os Porquês do Amor "

   José Anastácio da Cunha
1744 -1787

 Céu, porque tão convulso e consternado
Me bate, ao Vê-la, o coração no peito?
Porque pasma entre os beiços congelado,
Indo a falar-lhe, o tímido conceito?

Porque nas áureas ondas engolfado
Da caudalosa trança, inda que afeito,
Me naufraga o juízo embelezado,
E em ternura suavíssima desfeito?

Porque a luz dos seus olhos, tão ativa,
Por lânguida inda mais encantadora,
Me cega, e por a ver, ansioso, clamo?

Porque da mão nevada sai tão viva
Chama, que me eletriza e me devora?
Os mesmos meus porquês me dizem: - Amo!

in
"Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou"
J.G . de Araujo Jorge - 1a edição - 1963