25 de abril de 2010

Um vilancete de Camões.


A vertente tradicionalista da lírica camoniana, cultivada pelo poeta em sua juventude, caracteriza-se pela espontaneidade, pela leveza e pela simplicidade, típicas das composições dos poetas do período da chamada Poesia Palaciana, compiladas no Cancioneiro Geral, que utilizavam as redondilhas maior e menor com grande habilidade.  Para os estudiosos da lírica camoniana, as redondilhas do poeta têm tanta importância quanto os seus sonetos, canções, elegias, etc.
A sedução das redondilhas camoniana radica na dicotomia requinte/ingenuidade, bem como em sua habilidade no desenvolvimento do tema oferecido pelo mote. Este apresenta-se sob o aspecto de uma curta citação ou de uma estrofe de três versos, colhidos de uma velha cantiga popular espanhola ou portuguesa, quando não é da própria autoria do poeta.
O Vilancete, que se segue, é formado de um mote de três versos e por duas voltas (glosas) de sete versos (redondilha maior). Trata-se, portanto, de uma composição na “medida velha”. Observe-se que o último verso do mote é repetido no final de cada verso das duas voltas.

Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.

Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,  -------(mãos de prata = mãos alvas)
Cinta de fina escarlata, ----- ------(escarlata = tecido vermelho de lã)          
Sainho de chamalote; ------------ -(sainho = casaco curto)
Traz a vasquinha de cote, ---------(vasquinha de cote = saia com muitas pregas de uso diário)
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa e não segura.

Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado -----------(cabelos louros arrumado em tranças)
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa e não segura.

Para quem está habituada com as “Cantigas de Amigo” a leitura do vilancete “Descalça vai para a fonte", provoca a evocação da imagem da donzela que vai à fonte, È num cenário semelhante, que Camões traça o retrato de Leonor.
O poeta contempla a jovem donzela que se encaminha para a fonte, cumprindo uma tarefa bem típica em sua época. Ela desperta a sua atenção tanto pela beleza de sua imagem, integrada no cenário bucólico verdejante, quanto por vislumbrar em seu semblante certa inquietação interior (vai fermosa e não segura), derivada, quiçá, de uma sua incerteza de ordem afetiva: ela tem a formosura que seduz, mas não está protegida contra a paixão. 
A descrição externa de Leonor é detalhada, colorida como uma aquarela, parecendo resultar da idealização do poeta que hiperboliza a sua formosura (tão linda que o mundo espanta), aproximando-a dentro dos padrão petrarquiano: loura e muito alva.
Este vilancete estabelece um acentuado contrastante com o soneto “Um mover de olhos brando e piedoso”, no qual Camões intertextualiza um soneto de Petrarca, ocupando-se em traçar um retrato moral e psicológico da mulher amada, sem nenhuma preocupação em descrever seu aspecto físico.

Zenóbia Collares Moreira

2 comentários:

Anonymous disse...

Encontrei este blog por acaso. É muito bom para pesquisar sobre literatura. Valeu!

Anônimo disse...

Obrigado pela informação!!