Antero Tarquínio de Quental nasceu em 1842 e suicidou-se em 1891. Mais do que um poeta importante de toda a literatura portuguesa e figura ímpar do final do século XIX, Antero de Quental foi um verdadeiro líder intelectual da geração de 70. Homem de grande lucidez e rica vida interior, voltado para os grandes problemas filosóficos e sociais do tempo, deixou em sua obra poética os sinais de sua rica trajetória intelectual.
A poesia de Antero traduz as suas vivências e os seus anseios. Nela se encontra uma faceta luminosa, tradutora do seu ardor revolucionário e de grande elevação moral, e outra sombria, que radica em um inarredável pessimismo e na insistente ânsia de evasão. António Sérgio afirma que o Antero apolíneo exprime a Luz, a Razão e o Amor como fontes da harmonia do Universo e o Antero nocturno canta a noite, a morte, o pessimismo e um certo niilismo.
Transcendentalismo»
Já sossega, depois de tanta luta,
Já me descansa em paz o coração.
Caí na conta, enfim, de quanto é vão
O bem que ao Mundo e à Sorte se disputa.
Penetrando, com fronte não enxuta,
No sacrário do templo da Ilusão,
Só encontrei, com dor e confusão,
Trevas e pó, uma matéria bruta...
Não é no vasto mundo — por imenso
Que ele pareça à nossa mocidade —
Que a alma sacia o seu desejo intenso...
Na esfera do invisível, do intangível,
Sobre desertos, vácuo, soledade,
Voa e paira o espírito impassível!
Antero de Quental, in "Sonetos"
Neste soneto o que vemos é um irrefreável desejo de fuga do homem enfermo e cansado de sua vivência dolorosa no mundo sensível. Antero apenas disponibiliza a si mesmo um lenitivo ao seu sentir pessimista, bem distanciado de uma mera fuga para as regiões do sonho nas quais a consciência se perderia. Em lugar disto, ele aspira fugir da realidade por meio de um total distanciamento de todo o real sensível, instaurando na consciência a “soledade” e o “vácuo”, evadindo-se o espírito para uma “esfera” acósmica, superior ao visível e ao tangível, onde pudesse atingir o estado de absoluta impassibilidade, a vacuidade psíquica que lhe possibilitaria livrar-se da dor e assumir um estado de espírito aproximado ao nirvana budista, mas o que encontra é o vácuo, o deserto moral e a desolação, sobre os quais “paira o espírito impassível”, metáfora da morte. Esse desejo de evasão se faz presente em outros sonetos do poeta, como, por exemplo, no que se segue:
Na Mão de Deus
Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.
Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.
Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente.
Deus, neste soneto, é uma possibilidade de evasão do espírito, a cura para a alma pesada de pessimismo e desânimo mórbido, o porto seguro para agasalhar a alma enferma do poeta.