6 de julho de 2010

Fernando Pessoa (ortônimo): Tudo o que faço e medito.


Tudo o que faço ou medito
Fica sempre pela metade,
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada e' verdade.

Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma e' lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço ---

Um mar onde bóiam lentos
Fragmentos de um mar de alem...
Vontades ou pensamentos?
Não o sei e sei-o bem.


COMENTÁRIO

O sujeito poético neste poema procura auto-analisar-se com a mesma agudez perceptiva que o caracteriza ao longo de sua obra, num esforço tenaz em busca do auto–conhecimento. É evidente, logo nos dois primeiros versos, o sentimento de irrealização, de fracasso, do ser que não consegue realizar em plenitude seus propósitos: “Tudo o que faço ou medito / Fica sempre pela metade”.
Apesar do seu querer ser ilimitado, reconhece que nada faz para atingir suas metas. Daí, o seu desprezo por si mesmo, quando toma consciência da nulidade dos seus atos, da debilidade da sua vontade.
Ao lançar seu olhar para dentro de si mesmo, encontra sua “alma lúcida e rica”, contraposta a um “eu” sem vida, abúlico: “um mar de sargaço”, metáfora da fragmentação e da dispersão do ser, de partes de si mesmo (vontades ou pensamentos?) que o poeta tenta precisar, sem conseguir sair da incerteza, da ambiguidade, restando-lhe apenas a impossibilidade de se conhecer.
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Zenóbia Collares Moreira Cunha


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