Ao longo dos poemas de Clepsidra, o poeta menciona três instrumentos musicais que são associados a diferentes imagens. São eles a flauta, a viola e o violoncelo. O primeiro é associado à uma noção de temporalidade suspensa, o segundo relaciona-se à solidão e o último tem nos movimentos do arco sobre as suas cordas a gênese de inúmeras imagens, notadamente as arquitetônicas, relacionadas com o sentimento de destruição, de ruína, de desmoronamento e de fragmentação, mais das vezes assumindo um sentido metafórico da falência e fragmentação do ser.
A imagem da água corrente, quase sempre, está associada ao passar do tempo metaforizado pelo fluir das águas
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Chorai arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...
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De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
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Fundas soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas, (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
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Trêmulos astros...
Soidões lacustres... -
Lemos e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!
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Urnas quebradas!
Blocos de gelo... -
Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo
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Violoncelo é uma das mais bem conseguidas poesias de Camilo Pessanha, uma obra prima. Nela, o poeta desloca para os objetos inanimados seus estados de alma. O som grave do violoncelo ora provoca, ora expressa uma tristeza sem motivo, estados de alma obscuros, certo mistério pairando no ar. Todavia, o estado de desarmonia interior do eu-lírico não é explicitado de forma clara e direta. É apenas sugerido, principalmente por meio de uma associação intensamente subjetiva que relaciona o som melancólico do violoncelo a uma sensação de sofrimento.
A imagem visual das pontes remete ao duplo sentido da palavra “arcadas”, cujo significado está ligado ao movimento do arco passando sobre as cordas do violoncelo, da mesma forma que significa o conjunto de arcos das pontes (arcadas). Por outro lado, as arcadas remetem à existência de “pontes” que sugerem a presença de um rio, porque o som do violoncelo, no seu gemido contínuo, lembra o correr da água.
Os adjetivos “convulsionadas” e “aladas”, no 3o verso, conferem uma impressão dinâmica e sugerem o vôo do arco nas cordas do violoncelo e o vibrar convulso das mesmas. As duas primeiras estrofes exprimem o tumulto interior do eu-lírico. Logo a seguir, o tom torna-se mais sombrio. A luz branca, espectral das primeiras estrofes apaga-se, o branco dos arcos e a imagem das barcas somem na escuridão noturna, permanecendo apenas o rio, transformado em caudal de sons e de pranto, enquanto as pontes e as barcas submergem, tombam em “ruínas”.
A escuridão da noite que ensombra a penúltima estrofe do poema impede a visão do desmoronamento, da destruição, Somente o ruído produzido pela ponte e pelas barcas, ao se despedaçarem nas águas tumultuadas do rio, pode ser ouvido. Logo depois, o movimento caudaloso das águas serena, forma um lago sobre o qual “trêmulos astros” testemunham a fragmentação dos objetos: restos das barcas naufragadas (lemes e mastros) e o parapeito da ponte (os alabastros/ dos balaústres). A imagem é de desolação, de naufrágio, de tristeza que atravessam o poema, oriunda da reiterada evocação das ruínas, dos abismos, da solidão e de uma atmosfera de morte.
Zenóbia Collares Moreira.
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