Não somente a temática erótica que ocupa o espaço poético de Ana Luísa Amaral.
A temática da realidade quotidiana também transita livre por seus poemas, um quotidiano bem feminino, mas bem distanciado das abordagens feministas, como pode ser observado no poema Ritmos e em outros que virão, a seguir. Em alguns casos, a poetisa ironiza o universo doméstico feminino:*
RITMOS
E descascar ervilhas ao ritmo de um verso:
a prosódia da mão, a ervilha dançando
em redondilha.
Misturar ritmos em tela apertada: um vira
bem marcado pelo jazz, pas
de deux: eu, ervilha e mais ninguém
De vez em quando o salto: disco sound
o vazio pós-moderno e sem sentido
Ah! Hedónica ervilha tão sozinha
debaixo do fogão!
As irmãs recuperadas ainda em anos 20
o prazer da partilha: cebola, azeite
blues desconcertantes, metamorfoses em
refogados rítmicos
(Debaixo do fogão
só o silêncio frio)
Nas poesias Fingimentos poéticos e Aniversário a poética do avesso é posta em prática, para parodiar textos de Fernando Pessoa. Em Fingimentos poéticos, a autora intertextualisa Autopsicografia:
FINGIMENTO POÉTICOS
“finge tão completamente”
Faz-me falta a tristeza
para o verso:
falta feroz de amante,
ausência provocando dor maior.
Tristeza genuína, original,
a rebentar entranhas e navios
sem mar.
Tristeza redundando em mais
tristeza, desaguando em métrica
de cor.
Recorro-me a jornal, mas é
em vão. A livros russos (largos
e sombrios).
Em provocando rio de depressão,
nem zepellin: balão
e ervas rente.
Um arrastão sonhando-se
navio.
Só se for o que diz o que
deveras sente.
A sério: o Zepellin.
Mas coração
combóio cuja corda
se partiu.
Em "Ás vezes o paraíso", livro publicado em 1998, é a tradição judaico-cristã que é desconstruída, subvertida. Em um dos poemas Caim escapa do castigo indo construir seu próprio “Paraíso” (A leste do paraíso), implodindo, assim, os alicerces de um dos mitos religiosos que mais incide na questão moral, constituindo desde tempos imemoriais um ex-libre da retórica do Bem e do Mal.
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