18 de abril de 2012
Fernando Pessoa: Pobre velha música
8 de abril de 2012
Camões: O tempo e a angústia da mudança.
Na temática maneirista, a imagem do tempo em seu fluir contínuo e a consciência da ação modificadora e destruidora que exerce sobre o homem e as coisas estão sempre associadas à angústia pela instabilidade e pela fugacidade da duração da vida.
Nas reflexões dos poetas acerca do tempo não é a constatação de que todas as coisas se submetem a uma constante mutação o que figura como motivo de tristeza e lamentações. O que os perturba de maneira muito especial é o trágico e paradoxal contraste - já poetizado por Horácio em uma das suas odes - entre o tempo natural e o tempo humano. Submetida à ordem do tempo natural, a natureza passa por um processo de mudança que lhe assegura uma renovação cíclica e contínua, que não tem correspondência na vida humana.
O tempo humano é inexoravelmente linear e irreversível. As alterações que, em sua passagem, vai impondo ao homem são para pior, na medida em que este só tem uma direção a seguir: a do desgaste físico, da degradação da mente e o caminho sem regresso para o fim da sua existência. O tempo é ainda um outro aliado da vida na mutabilidade das coisas, em sua enganadora e superficial regularidade, na inconstância de tudo. Tão célere em seu percurso, tão breve nas alegrias, instala-se com perspectivas de demora quando portador de mágoas, em que é pródigo.
A consciência aguçada acerca da fugacidade do tempo constitui o elemento centralizador do qual parte uma série de ramificações temáticas que lhe são tributárias: a efemeridade e a transitoriedade da vida, dos prazeres, da juventude, da beleza; a angústia e a impotência do homem perante a passagem do tempo, a qual o arrasta, gradativa e irreversivelmente, para a senilidade, para a decrepitude, para a morte.
A certeza da degradação e da finitude, aliada à convicção de que não existe escapatória ao processo de aniquilação física e mental a que está destinado, deveria estimular o homem a valorizar e a fruir avidamente o tempo presente, a sua juventude e a plenitude de sua energia vital enquanto isso lhe é possível. Todavia não é essa atitude de comprazimento com os apelos da vida e do corpo o que o inspira. Daí a ausência, no lirismo maneirista, do conhecido tema horaciano do carpe diem, expressão proveniente de uma citação do poeta latino que lembra a brevidade da vida e a fugacidade do tempo, sugerindo a máxima fruição do momento presente, a busca da felicidade imediata.
Esse tema, juntamente com o do collige, virgo, rosas, outro exilado da lírica maneirista, eram encarecidos ao extremo pelos poetas renascentistas. Ambos os temas perderam o sentido ou a adequação perante a sombria e amarga mundividência maneirista, que, em nenhuma circunstância, se mostra aberta ao elogio da vida, à celebração dos prazeres terrenos.
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7 de abril de 2012
Gilka Machado: Uma poética do desejo...
Nascida em 1893, Gilka Machado teve a sua formação literária dentro dos princípios doutrinários e estéticos do Simbolismo, em um período em que várias correntes estilísticas formavam uma espécie de encruzilhada de estilos que disputavam espaço no imaginário dos poetas, prolongando-se até o advento do Modernismo brasileiro.
Mulher muito avançada para a época em que viveu, inteligente e independente, não admitia mordaças moralizadoras no que escrevia, produzindo poesias ousadíssimas que representavam um desafio aos códigos morais e a estreiteza de visão dos falsos moralistas da sociedade nos primeiros decênios do segundo milênio.
Suas poesias falam sobre coisas até então nunca abordadas na literatura de autoria feminina, inaugurando na poesia brasileira de então o discurso sobre a condição feminina, falando de forma explícita e transgressiva, para a época, sobre o desejo da mulher de se libertar dos espartilhos que lhe impôs a milenar moral machistas, recusando-se a seguir o “modelo” de poesia considerado adequado às mulheres, ou seja: a poesia de louvação à virtude e de elogio à beleza femininas, sempre ingênua e pura, de queixumes por amores impossíveis e outras puerilidades de cariz romântico.Nesse tipo de poesia praticada pelas mulheres, o que predominava, como se pode ver, era a expressão de um romantismo já dessorado e deslocado no tempo, ameaçando perpetuar temáticas delicadas e sentimentais, de uma superficialidade aflitiva. Gilka, como a poeta portuguesa Florbela Espanca, sua contemporânea, fugiu a este modelo padrão, para adentrar corajosamente o universo mais libertário dos Simbolistas.
Sua adesão ao Simbolismo levou-a a produzir poesias que lhe valeram críticas severas dos que as consideravam escandalosas e atentatórias aos bons costumes, em razão do seu explícito erotismo, da sensualidade que cintilava em cada um dos seus versos. Para a sociedade puritana do começo do século XX era inadmissível e intolerável a publicação de poesias que davam voz às pulsões dos sentidos, aos desejos do corpo e à paixão ardente da mulher.
Gilka não se intimidou nem recuou diante das pressões, dando continuidade a um estilo pessoal que, por sua irrefutável qualidade, levaram-na a ser eleita “a maior poetisa do Brasil”, em concurso realizado pela revista O Malho, em 1933, na cidade do Rio de Janeiro. Mais tarde, o crítico Péricles Eugênio da Silva Ramos, afirmou que a autora foi a maior figura feminina do Simbolismo brasileiro, em cujos princípios doutrinários a poeta se integrava notadamente com duas das suas obras: os livros, Cristais Partidos e Estados de Alma. A seguir, algumas poesias da grande poeta brasileira. Talvez cause estranheza o vocabulário raro e culto da poeta, típico da poesia simbolista.
Esboço
Teus lábios inquietos
pelo meu corpo
acendiam astros...
e no corpo da mata
os pirilampos
de quando em quando,
insinuavam
fosforecentes carícias...
e o corpo do silêncio estremecia,
chocalhava,
com os guizos
do cri-cri osculante
dos grilos que imitavam
a música de tua boca...
e no corpo da noite
as estrelas cantavam
com a voz trêmula e rútila
de teus beijos...
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