4 de dezembro de 2013

Adormecida, poesia de Castro Alves

Na poesia amorosa de Castro Alves ocorre uma superação do egocentrismo que se dá, principalmente, por uma visão menos idealizada da mulher. O que não quer dizer que não há idealização da figura feminina. O fato é que, embora em alguns poemas ainda frágil e pura, destaca-se em Castro Alves uma mulher objetiva, concreta, que corresponde ao desejo do amado, que tem, ela mesma, esse desejo, e que luta pela própria felicidade. Se em alguns textos ainda existe um voyerismo (como em Adormecida), em muitos outros há a realização daquilo que, para os ultra-românticos ficou só na imaginação e para os indianistas não acontecia porque não havia correspondência amorosa. 

Adormecida

Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberta o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.

‘Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, um pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos – beijá-la.

Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...

Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!

E o ramo ora chegava ora afastava-se...
Mas quando a via despeitada a meio,
P’ra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...

Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
“Ó flor! – tu és a virgem das campinas!
“Virgem! – tu és a flor da minha vida!...”

O poeta inicia o poema criando, através da percepção subjetiva, a imagem da mulher amada. Ela é mostrada envolta em uma aura de sensualidade, construída através do uso dos adjetivos (encostada molemente, quase aberto, solto, descalço). Por sua vez, os elementos noite, rede, roupão, cabelo e tapete, criam o ambiente íntimo desta mulher. 
A seguir o poeta utiliza elementos da natureza para insinuar o clima de sensualidade e encantamento que emana dessa mulher. Todavia, ao personificar os elementos da natureza (galhos encurvados / indiscretos entravam pela sala.../ Iam na face trêmulos beijá-la.) e colocá-los em contato físico com a amada o poeta constrói uma cena de sensualidade e desempenho amoroso.
A utilização repetitiva de versos no pretérito imperfeito (estremecia / serenava / beijava) e a utilização das reticências cria um clima de erotismo recatado pela interação e troca contínua de afagos entre a moça e a flor.
Apesar da sensualidade do conjunto, o poeta infantiliza a amada dando a ela um caráter virginal (criança / negras tranças). Contudo, na 6ª estrofe, ele retoma o caráter erótico pelo contato físico da natureza com essa mulher.
Na última estrofe subjetivamente o poeta mantém uma postura típica do lirismo platônico e com muita sensibilidade enaltece o caráter virginal da amada.


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