Ana Hatherly, pseudônimo literário usado pela poetisa Ana Maria Rocha Pereira, nasceu no Porto em 1929. Em 1958 estreou na cena literária com a obra Caminhos da moderna poesia portuguesa. Neste, como nos demais livros escritos entre 1958 e 1962, a poetisa ainda não atingira o nível de excelência que revelaria nos poemas de Sigma, livro publicado em 1965, sob o influxo de movimentos de vanguarda, dos quais participou ativamente, principalmente no Grupo Poesia Experimental Portuguesa.
Com este livro a poetisa inaugura uma nova fase de sua produção poética, até então ainda presa às formas mais tradicionalistas, mais comedidas em relação às novidades vanguardistas, que já haviam conquistado direito à cidadania nas letras lusitanas, desde o Movimento Orpheu.
Com este livro a poetisa inaugura uma nova fase de sua produção poética, até então ainda presa às formas mais tradicionalistas, mais comedidas em relação às novidades vanguardistas, que já haviam conquistado direito à cidadania nas letras lusitanas, desde o Movimento Orpheu.
Nos livros que se seguiram à publicação de Sigma, Ana Hatherly deu continuidade às incursões poéticas nos domínios do experimentalismo, fazendo uso de uma linguagem mais instigante, por vezes sutilmente irônica que, em alguns casos, parece incorporar ecos da poesia de Álvaro de Campos, aliados a determinados artifícios do imaginário surrealista, aos quais imprimiu sua marca pessoal, conseguindo atingir resultados bastante expressivos.
Ana Hatherly publicou uma grande quantidade de livros de poesias, novelas, crítica literária e ensaios.
Ana Hatherly publicou uma grande quantidade de livros de poesias, novelas, crítica literária e ensaios.
Os dois textos que se seguem foram coligidos na obra de estreia da autora – Um ritmo perdido, no qual se revela inclinada a um tipo de discurso de tendência filosófica e moralizadora que, conforme foi dito antes, é muito distanciada da poesia que surge a partir de 1965, com Signo, o seu livro mais bem conseguido:
MAS QUE BRANCURA...
Mas que brancura impressionante
De estátua idealizada...
Acaso o tempo nos branqueia
Os ossos e o sentir?
Sai daí,
Humanidade perturbante do meu sonho!
Queres ser alma e corpo
De matéria que nem sequer existe?
AQUELE QUE PROCUROU
Aquele que procurou
E não encontrou,
É o homem desiludido.
Aquele que não procura
E tudo encontra
E nada pode fazer do que achou,
É mais que infeliz:
Sabe a verdade.
Com o livro Eros frenético, publicado em 1968, Ana Hatherly assume o exercício da poesia erótica, também praticadas por muitas outras personalidades femininas da poesia contemporânea. Comparando-se os dois poemas anteriores com os que serão dados a seguir, observa-se, logo à primeira leitura, a grande diferença entre as duas fases da poesia da escritora, antes referidas. A poesia que aparece a partir de 1965 perde o tom conceituoso e moralizador, cedendo lugar a uma expressão poética revitalizada por uma força dramática e lírica, por um ímpeto de paixão que perpassam os versos, na ânsia de exprimir a linguagem do corpo, a ardência do desejo, seus segredos, sua busca de consumação e êxtase:
VOLÚPSIA
O corpo fala
na muda voz da ideia cruamente pura
seus poderes são pensamento-ato.
Oh sombra impaciente
ardes sem limite
O desejo tem espaços próprios
seus segredos
seus exaltados erros
Oh impudico
Teu furor é inquieto
e imenso.
Emaranhados neste anseio-sonho
nesta precisa-aposta
Tu – Eu
Neste ardente ardor
só tu és pausa
fuga
além-palavra
O nosso corpo freme
na adoração do grande olvido
Vagas sucessivas submergem
este ser-não ser
este querer-já-não querer
esta renovada festa-febre
Oh exultante
exaltante festa do tumulto
Sorri
Sorri-me
Eis o momento:
todas as penas imagináveis
te dissolvem nesta adoração
cruel
sem busca
abolida
Amor é fogo que arde e se vê
em ti
em mim
em tudo o que consome
Cegos
surdos
apenas te sabemos
apenas te queremos
fatal fome
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