21 de outubro de 2010

Francisca de Paola Possolo da Costa (Francília)



Francisca de Paola, além de poetisa foi também ficcionista, autora de um romance, Henriqueta de Orleans ou O Heroísmo, cujo sucesso ensejou duas edições seguidas do mesmo. Foi amiga pessoal de Castilho com quem manteve assídua correspondência. Deixou incontáveis sonetos e elegias inspirados em seu ardente amor por Jónio, nos quais dá livre desafogo à sua paixão em versos impregnados de ousada sensualidade. Esses apaixonados poemas cessam após a morte do marido. Da lira enlutada da poetisa, passam a emanar somente versos toldados pelo sofrimento inclemente que lhe dilacera a alma. A melancolia, a angústia da solidão e do bem irremediavelmente perdido às vezes refinam em desespero. Conseqüentemente, a sua poesia torna-se uma viva expressão da dor da ausência e do desejo de libertação na morte. Francília inscreve-se entre os poetas pré-românticos que expressam, em suas poesias, a paixão e o erotismo que envolvem os seus sentimento:


Graças aos Céus, chegou enfim o dia
Este dia feliz, tão suspirado,
Em que a tua presença, Jônio amado,
Virá encher minha alma de alegria! 
A tristeza mortal, que me oprimia,
Em risonho prazer se tem mudado,
Meu coração de suspirar cansado,
Respira livre de melancolia. 
Já a mimosa esperança me figura
O som da tua voz... alguns espaços,
Já cuido ouvir-te as frases de ternura. 
Meu bem...que te suspende? Apressa os passos, 
Oh!... Vem antes que chegue a noite escura,
Vem suspirar de amor, entre os meus braços.

O soneto abaixo é mais um dentre os vários em que a poetisa manifesta o desejo e o ardor por Jônio, pseudônimo do marido a quem dedica a maior parte dos seus poemas, sejam os sonetos escrito quando ele ainda vivia, sejam nos sonetos e poemas compostos após a sua morte:

Que me sucede, oh Céus! Eu reclinada
Nos braços do meu bem! Eu apertando
Ao peito a sua mão, seu rosto olhando,
Em amantes transportes enlevada!
Ventura, posso crer-te? Eu abraçada
De Jônio, por quem vivo suspirando!
Inda estou receosa, duvidando,
Que para sempre a ele estou ligada.
Doce Jônio, meu bem, já a teu lado...
Mas Deuses, aonde estavas... aonde estou eu?
Quem ma aparta de ti, Jônio adorado?
Ah! que só foi um sonho...oh justo Céu!
Ou me dá meu bem, o meu amado,
Ou dure eternamente o sonho meu.
*
Na série de composições escritas na fase do luto pelo marido, Francília transfere para a sua lira a intensidade da dor pela perda do homem amado. O confessionalismo típico da poética pré-romântica intensifica-se, o cenário que serve de pano de fundo para a expressão de sua mágoa e saudade é o locus horrendus, a paisagem sombria e lúgubre, árida e medonha, condizente com a escuridão que a poetisa traz dentro de si. Os três sonetos que se seguem são exemplares dessa vertente da poesia da autora, toda ela impregnada por sombria amargura:
*
Que sítio tão medonho!
Céus que horrores!
Que selva tão extensa, e tão sombria!
Seca e rebelde, a terra aqui não cria.
Mimosa relva, variadas flores!
Aves de agouro, mochos piadores
Aqui vêm ocultar-se à luz do dia.
E do negro cipreste, à sombra fria,
Soltam agudos, fúnebres clamores!
Pavoroso lugar, a Natureza
Para mim te criou expressamente,
Tu só podes fartar minha tristeza.
Aqui verei quebrar-se lentamente
Tênue fio, que a vida me tem presa!
Aqui meus dias findarei contente.

#
Neste bosque medonho, onde somente
Brilha o sol um instante cada dia,
Aqui onde da noite a mais sombria
O silêncio horroroso é permanente.
Aqui de amargo pranto, ocultamente
Inundarei a terra, seca, e fria;
Aqui meus ais, no seio da agonia,
Enviarei aos ares, livremente.
Desgostosa da vida, e fatigada
De suportar os duros, os cruentos,
Fatais pesares, de que estou cercada.
Quero ao Mundo fugir alguns momentos,
Enquanto a morte, em vão por mim chamando,
O termo não vem por a meus tormentos!

O lirismo de Francília é um diálogo permanente com a sua alegria ou com a sua dor. Intimista, confessional e cheia de paixão, sua poesia torna-se um discurso contínuo do eu sobre o outro - no caso Jônio. Daí a dicotomia que a caracteriza, na medida em que seu estro passa da luminosidade dos dias afortunados para a sombra corrosiva da desventura que a acompanhará até que a morte, tão desejada e suplicada, venha silenciá-la. Dentre as poetisas pré-românticas, Francília é a que mais se aproxima da linha poética de Elmano Sadino – Bocage – no que tange a sua evocação recorrente do locus horrendus, pela dramaticidade que imprime à expressão da dor e da saudade que a consomem.


By Zenóbia Collares Moreira


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