11 de maio de 2011

Sonetos de Camões.





Quando da bela vista e doce riso,
tomando estão meus olhos mantimento,
tão enlevado sinto o pensamento
que me faz ver na terra o Paraíso.


Tanto do bem humano estou diviso,
que qualquer outro bem julgo por vento;
assi, que em caso tal, segundo sento,
assaz de pouco faz quem perde o siso.


Em vos louvar, Senhora, não me fundo,
porque quem vossas cousas claro sente,
sentirá que não pode merecê-las.


Que de tanta estranheza sois ao mundo,
que não é de estranhar, Dama excelente,
que quem vos fez, fizesse Céu e estrelas.


Este é mais um soneto de Camões pautado no neoplatonismo herdado do lirismo petrarquiano, tão do gosto dos poetas maneiristas, especialmente daqueles que compunham sonetos de louvação a uma dama pela qual nutriam um sentimento amoroso de índole platônica.
Vale salientar o comedimento do poeta na expressão dos seus sentimentos e no reduzido esboço que faz da mulher amada, caracterizada por traços que pertencem apenas ao plano espiritual. O simples fato de contemplá-la, de referir-se a ela, enleva-lhe o pensamento, purifica-o, ensejando-lhe visualizar o Paraíso, na mesma medida em que o faz se sentir distante do plano humano, do mundo material.
Com o uso desse recurso, a imagem da mulher torna-se altamente valorizada e reverenciada, pois é ela quem possibilita a volta do poeta ao bem maior, ao espaço primordial, o Paraíso (Bíblico) ou ao Mundo das Idéias (Platão).
O soneto exprime com perfeição a visão luminosa que Camões sempre revela ter da Mulher. Não apenas na sua poesia lírica, como em Os Lusíadas, sempre que esse poeta, privilegiado pelo toque da genialidade poética, escreve sobre a mulher, ele abre um campo de extremada beleza, de poeticidade e de encantamento, que traduzem seu amor pelo feminino, o seu fascínio pelo que há de delicado, sedutor e especial na mulher.
Mesmo, quando se queixa dos males do amor, jamais ele acusa ou execra aquela que o fez padecer as piores dores e agonias.
Camões amor muito, amou muitas mulheres em suas andanças de exilado pelas colônias portuguesas da Ásia e da Índia. Amou e foi amado. Dizem alguns dos seus biógrafos que amou a Infanta D. Maria de Portugal e, quiçá, esse amor impossível e não aprovado pelo rei, tenha concorrido para a sua condenação ao exílio, embora outras razões existissem para tal penalização.
Camões, um homem sensual, de temperamento apaixonado e cheio de impulsos eróticos, tinha uma grande experiência em matéria de amor e de todas as vicissitudes e alegrias, todas as dores, prazeres e contradições que lhe são adstritos, como demonstra o célebre soneto AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER:

Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.


É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.


Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

O que mais chama a atenção nesse magnífico soneto é a forma inusitada usada pelo seu autor para definir o Amor, mantendo até a última estrofe justamente a impossibilidade de elaborar uma definição precisa desse sentimento. Vejamos: O amor é o objeto a ser definido. Contudo, todos os elementos evocados para defini-lo, para atribuir-lhe predicados, são constituídos por oxímoros, um tipo especial de antítese que nada mais é que a ligação entre duas idéias ou pensamentos que se excluem.
Portanto, o seu uso intensivo por Camões em nada contribuiu para a elaboração de uma definição exata, clara e precisa do amor. Ao contrário disso, apontou para uma noção do amor como um sentimento de natureza contraditória e, como tal, impossível ser definido. Observe-se que além do uso reiterado do oxímoro, Camões trabalha a sua definição do amor lançando mão de outros recursos comuns a lírica maneirista, dentre os quais se destaca a anáfora da forma verbal “é”, no início de sucessivos versos.
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Zenóbia Collares Moreira


Um comentário:

Anonymous disse...

Hello é a 3ª vez que li o teu blogue e adorei muito!Bom Trabalho!
Adeus