Poema do livro “Mensagem”, de Fernando Pessoa. O próprio autor explica o que o moveu a compor o poema, numa época em que a Nação caíra em descrédito e, portanto, somente através do resgate de um grande mito seria possível fazer Portugal ressuscitar das cinzas. Segundo declarou Pessoa: “temos felizmente o mito sebastianista com raízes profundas no passado e na alma portuguesa.. Nosso trabalho é pois mais fácil: não temos que criar um mito, senão que renová-lo. Comecemos por nos embebedar nesse sonho... Então se dará na alma da nação o fenômeno imprevisível de onde nascerão as Novas Descobertas, a criação do Mundo Novo, o Quinto Império”. (Entrevista com Augusto da Costa)
Screvo meu livro à beira-mágoa
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água
Só tu, Senhor, me dás viver.
Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a hora?
Quando virás a ser o Cristo
De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?
Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras português
Tormar-me mais que o sopro incerto
De um grande anseio que Deus Fez?
Ah, quando quererás, voltando,
Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?
COMENTÁRIO
“ Mensagem” se organiza a partir de elementos genuinamente sabastianistas. O poeta torturado pelo desgosto e pela insatisfação que lhe provoca a evidente degradação da nação, dos valores tradicionais do passado português e da própria grandeza de Portugal, amarga a mais dilacerante dor. Sua única razão para continuar vivendo ele a deposita na esperança sonhada da vinda do “Encoberto”, daquele que seria o salvador da nação.
A ansiedade e a inquietação do poeta pela realização de tal “sonho” revestem o poema de imensa emoção e intensa dramaticidade. O poeta “sonha” com o Salvador vindouro, e projeta o seu sonho, todo ele feito de esperança, no sonho do povo português de libertar a pátria do caos e da decadência em que está metida.
O “Salvador” vem do passado, vem de priscas eras, envolto em mistério, como algo grandiosamente transcentente e iluminado, no meio de uma névoa, com a missão de reescrever a história futura. O poema já anuncia a idéia pessoana do “Quinto Império”, do qual Pessoa se considera o anunciador, o super-poeta do super-Portugal. Claro que este Império em nada se assemelharia ao Império Português conquistado pelos antigos navegantes, seria um império cultural.
Vale notar que o poema, tipicamente sebastianista, é iniciado com uma evocação a um “Senhor” inominado ao qual o poeta, banhado em lágrimas, exprime as dolorosas condições em que o escreve, ou seja: “à beira-mágoa”, significando o estado de desespero e de dor que lhe esmagam o coração, Dor inerente ao desespero de quem sabe só lhe restar na vida o derradeiro ideal de encontrar “Nele”, nesse “Senhor”, a quem basta dirigir um pensamento, para ter a vida enriquecida e os dias vazios plenos de sentido
A recorrência insistente da expressão “quando”, especialmente na última estrofe, confere um sentido especial à inquietude e à ansiedade agônica do poeta pela chegada do “Encoberto”. A sua intensa emoção e a dramaticidade dos momentos da espera são bem marcados pelo uso reiterado das interrogações.
O desgosto, o desânimo, a frustração e a descrença de Pessoa no momento presente caótico em que vivia Portugal, na época em que escreveu esse poema, lembram muito os sentimentos de Camões expressos nos versos do último Canto de Os Lusíadas:
Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida;
E não do canto, mas de ver que venh
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
D ´hua austera, apagada e vil tristeza.
A época em que viveram os dois maiores poetas de Portugal e das nações lusófonas eram bem distanciadas, quatro séculos os separavam, mas os problemas políticos e econômicos em que vivia o povo português eram tão graves o quanto eram gerados por razões diferentes. O Portugal de Pessoa às voltas com o salazarismo, o Portugal de Camões à beira do abismo que foi a batalha de Alcácer-Quibir.
Vale muito fazer uma leitura de Mensagem cotejando o poema com Os Lusíadas, encontrando na epopéia pessoana os ecos da epopéia camoniana, ambas grandiosas fontes de imensurável prazer para a sensibilidade e gosto estético dos que amam a poesia dos grandes gênios da palavra.
By Zenóbia Collares Moreira
Screvo meu livro à beira-mágoa
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água
Só tu, Senhor, me dás viver.
Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a hora?
Quando virás a ser o Cristo
De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?
Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras português
Tormar-me mais que o sopro incerto
De um grande anseio que Deus Fez?
Ah, quando quererás, voltando,
Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?
COMENTÁRIO
“ Mensagem” se organiza a partir de elementos genuinamente sabastianistas. O poeta torturado pelo desgosto e pela insatisfação que lhe provoca a evidente degradação da nação, dos valores tradicionais do passado português e da própria grandeza de Portugal, amarga a mais dilacerante dor. Sua única razão para continuar vivendo ele a deposita na esperança sonhada da vinda do “Encoberto”, daquele que seria o salvador da nação.
A ansiedade e a inquietação do poeta pela realização de tal “sonho” revestem o poema de imensa emoção e intensa dramaticidade. O poeta “sonha” com o Salvador vindouro, e projeta o seu sonho, todo ele feito de esperança, no sonho do povo português de libertar a pátria do caos e da decadência em que está metida.
O “Salvador” vem do passado, vem de priscas eras, envolto em mistério, como algo grandiosamente transcentente e iluminado, no meio de uma névoa, com a missão de reescrever a história futura. O poema já anuncia a idéia pessoana do “Quinto Império”, do qual Pessoa se considera o anunciador, o super-poeta do super-Portugal. Claro que este Império em nada se assemelharia ao Império Português conquistado pelos antigos navegantes, seria um império cultural.
Vale notar que o poema, tipicamente sebastianista, é iniciado com uma evocação a um “Senhor” inominado ao qual o poeta, banhado em lágrimas, exprime as dolorosas condições em que o escreve, ou seja: “à beira-mágoa”, significando o estado de desespero e de dor que lhe esmagam o coração, Dor inerente ao desespero de quem sabe só lhe restar na vida o derradeiro ideal de encontrar “Nele”, nesse “Senhor”, a quem basta dirigir um pensamento, para ter a vida enriquecida e os dias vazios plenos de sentido
A recorrência insistente da expressão “quando”, especialmente na última estrofe, confere um sentido especial à inquietude e à ansiedade agônica do poeta pela chegada do “Encoberto”. A sua intensa emoção e a dramaticidade dos momentos da espera são bem marcados pelo uso reiterado das interrogações.
O desgosto, o desânimo, a frustração e a descrença de Pessoa no momento presente caótico em que vivia Portugal, na época em que escreveu esse poema, lembram muito os sentimentos de Camões expressos nos versos do último Canto de Os Lusíadas:
Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida;
E não do canto, mas de ver que venh
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
D ´hua austera, apagada e vil tristeza.
A época em que viveram os dois maiores poetas de Portugal e das nações lusófonas eram bem distanciadas, quatro séculos os separavam, mas os problemas políticos e econômicos em que vivia o povo português eram tão graves o quanto eram gerados por razões diferentes. O Portugal de Pessoa às voltas com o salazarismo, o Portugal de Camões à beira do abismo que foi a batalha de Alcácer-Quibir.
Vale muito fazer uma leitura de Mensagem cotejando o poema com Os Lusíadas, encontrando na epopéia pessoana os ecos da epopéia camoniana, ambas grandiosas fontes de imensurável prazer para a sensibilidade e gosto estético dos que amam a poesia dos grandes gênios da palavra.
By Zenóbia Collares Moreira
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