4 de julho de 2011

Murilo Mendes - Aquarela



O poema “Aquarela” faz parte do livro “O Menino Experimental”, no qual Murilo Mendes deixa de lado a lição haurida nos principais mentores do Modernismo brasileiro: Mário e Oswald Andrade, passando a outra fase de sua obra, mais criativa e inovadora. Sua fértil criatividade trouxe inovações ao seu processo de elaboração poética, bem evidentes tanto na vertente intelectualizada da poesia, quanto nas suas ousadas incursões na área do erotismo e da sensualidade, como evidencia o poema que se segue:

AQUARELA
Mulheres sólidas passeiam no jardim molhado de chuva,
o mundo parece que nasceu agora,
mulheres grandes, de coxas largas, de ancas largas,
talhadas para se unirem a homens fortes.
A montanha lavada inaugura toaletes novas
pra namorar o sol, garotos jogam bola.
A baía arfa, esperando repórteres...

Homens distraídos atropelam automóveis,
acácias enfiam chalés pensativos pra dentro das ruas,
meninas de seios estourando esperam o namorado na janela,
estão vestidas só com uma blusa, cabelos lustrosos
saídos do banho e pensam longamente na forma
do vestido de noiva: que pena não ter decote!
Arrastarão solenemente a cauda do vestido
até a alcova toda azul, que finura!
noite grande encherá o espaço
e os corpos decotados se multiplicarão em outros.
*
“Aquarela” chama a atenção pelo explosivo erotismo que irrompe em cada verso. Trata-se de um poema ousadíssimo no que tange a pródiga utilização de imagens eróticas e apelos sensuais, que se superpõem, ensejando estreita, sugestiva e reiterada aproximação significativa entre palavras de sentido lascivo.
Em todos os versos irrompem determinados elementos que funcionam como uma espécie de apelo à luxúria, à celebração do desejo, ao sonho e à plenitude do amor. Erotismo e sensualidade plasmam a linguagem poética, perpassam cada verso, constituindo a união entre os elementos fragmentados do texto.
O sentido do título está plenamente justificado ao longo do poema, pois o que o poeta realiza com as palavras é o que um aquarelista faria com os pincéis: ele pinta com palavras uma aquarela, na medida em que vai descrevendo com muita rapidez as cenas e as personagens que vê após o cessar da chuva que molhara as ruas.
Vale notar que o poeta pula com ligeireza de um assunto para o outro, deixando de lado descrições e pormenores acerca das personagens e cenas que contempla, exatamente como costumam fazer os aquarelistas, por exigência da técnica que os obriga a executarem com extrema ligeireza as pinceladas.
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Zenóbia Collares Moreira.


2 comentários:

Ulisses Borges disse...

Acabei descobrindo o blog através do velho e bom google, muito sem querer querendo. Gostei. Voltarei mais vezes. Quando quiseres visitar o meu, o endereço é: ulissesborgesdecarvalho.blogspot.com

Anônimo disse...

Adorei esse blog, estava procurando por aquarela e graças ao bom google, achei aqui... Foi de uma grande ajuda para minha lista de exercicios. Obrigada :D