23 de setembro de 2012

Alvaro de Campos: O que há em mim é sobretudo cansaço



O que há em mim é sobretudo cansaço 
Não disto nem daquilo, 
Nem sequer de tudo ou de nada: 
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, 
Cansaço. 

A subtileza das sensações inúteis, 
As paixões violentas por coisa nenhuma, 
Os amores intensos por o suposto alguém. 
Essas coisas todas. 

Essas e o que faz falta nelas eternamente; 
Tudo isso faz um cansaço, 
Este cansaço, Cansaço. 

Há sem dúvida quem ame o infinito, 
Há sem dúvida quem deseje o impossível, 
Há sem dúvida quem não queira nada - 
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: 
Porque eu amo infinitamente o finito, 
Porque eu desejo impossivelmente o possível, 
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, 
Ou até se não puder ser... 

E o resultado? 
Para eles a vida vivida ou sonhada, 
Para eles o sonho sonhado ou vivido, 
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... 
Para mim só um grande, um profundo, 
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, 
Um supremíssimo cansaço. 
Íssimo, íssimo. íssimo, Cansaço... 

Comentário

"O que há em mim é sobretudo cansaço" é um poema surgido na terceira fase da obra de Álvaro de Campos, justamente a fase depressiva, típica da abulia e do sentimento de falência do autor.

"O que há em mim é sobretudo cansaço
 Não disto nem daquilo, 
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, 
Cansaço."

 Ele fala do cansaço assumido como coisa em si mesma, um cansaço sem origem ou motivos definidos. O tédio, que perpassa o poema, exprime bem o desapontamento, as conclusões falhadas e os objetivos não atingidos. Trata-se, portanto, de um discurso contra a ação, contra a vontade, que no mundo são  destinadas ao fracasso.
 Campos enumera coisas que todos perseguem - as sensações, as paixões, o amor - e diz que todas elas falham em significado. Ironiza com aqueles que pretendem ter maiores pretensões do que aquelas que ele acha possíveis. Para estes "a média entre tudo e nada, isto é, isto...?", ou seja, por não terem ambições suas vidas são medíocres, bem próxima dos irracionais. Todavia, vivem tranquilos e sem angústias.
Há quem ame o infinito - os amantes do conhecimento, os filósofos e os religiosos; há quem deseje o impossível - os sonhadores, os ambiciosos; há quem não queira nada - os pessimistas, os humildes. Todos eles - segundo Campos - erram, por serem idealistas, por não ousarem transgredir os limites determinado para os homens. O poeta tem outra atitude que transcende tais limites: ele ama infinitamente o finito - ou seja, quer tudo no nada, quer a compreensão subtil do desconhecido - quer o paradoxo, inatingível, deseja  as sensações violentas e intensas. Mesmo que deseje apenas o possível, mesmo que ame o finito, ama e deseja de forma hiperbólica, sem limites. Só se contenta e alcança a plenitude com sensações desmesuradas, desregradas... 
O resultado de sua rebeldia  Campos anuncia, pondo-se acima de todos aqueles que critica - é para os outros a vida. Mas para Campos, a vida não chega, em parte porque ele próprio nunca se sente satisfeito - não tem a riqueza, a fama, a mãe, a infância, sobretudo a tranquilidade e a paz de espirito para trabalhar. 
Campos está cansado por não ter atingido o que para os outros é tão fácil, porque os outros não duvidam, são empreendedores, mesmo quando nada desejam. Entregam-se à vida, serenos ou irados, mas completos, humanos, que vivem e que morrem sem perguntas. Campos não é um ser assim, pois em si mesmo rumina uma intensa intranquilidade, que ele justifica como cansaço, um superlativo cansaço, em razão de não agir, em razão de não aceitar o seu fracasso no mundo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei a sua interpretação do poema, ajudou muito no meu trabalho de pt :)