2 de dezembro de 2009

O antilirismo na poesia de Maria Amélia Neto


Maria Amélia Neto nasceu em Montijo a 30 de outubro de 1928. Poliglota, trabalhou como tradutora e como secretária. Manteve-se sempre à margem de grupos e de revistas literários. Desde o ano de 1960 vem publicando livros de poesias, que lhe angariaram grande prestígio no meio literário pela indiscutível qualidade do que escreve.
Jorge de Sena, referindo-se à obra da poeta, chama atenção para a sua “dicção hierática e solene, quer no verso curto, quer no verso longo”, a que se somam uma viva sensibilidade visionária, uma contida melancolia solitária” e um intenso sentimento do mundo, despido de sentimentalismo e de derramamentos emocionais, sem contudo ser árida, seca ou dura. Seu texto é enxuto, sua palavra é precisa e sem rodeios.
Maria Amélia posterga para um plano secundário a presença da primeira pessoa do discurso, incluída em um nós de cariz coletivo, lança mão de uma expressão quase despojada de emoção, evitando o empobrecimento das imagens pelo uso de metáforas banais, animando cada palavra e cada verso com subterrânea e insólita intensidade.

MEDITAÇÃO SOBRE SÍSIFO

Vi-o de novo,
pela alquimia ancestral da solidão.
De novo se afundou no tempo
A pergunta desde sempre murmurada,
E o fogo crepitou suavemente
E queimou, uma a uma,
As horas da noite.
Trazemos na retina a eternidade.
Da aurora
Conhecemos os sinais,
Os planetas adormecidos,
O rio coberto de junquilhos mortos.
Do resto do tempo
Conhecemos o orgulho,
A lucidez desumana,
A tela por pintar
E o ruído subtil do medo.
Aprenderemos a crescer ao lado das roseiras?
A saciar de sol a demência do vazio?
A destruir as velhas raízes?
Fluido, fluido é o cerco da solidão.

Anti-lírica por excelência, a emoção e o sentimento, na poesia de Maria Amélia Neto, estão submetidos a um filtro intelectual que conduz com rigor os versos dos poemas. Sua linguagem é a do despojamento sentimental.

O AREAL
Só há areia
E um céu demasiado lúcido.
A transparência intacta feriu o nosso cérebro,
Mutilou os nossos pensamentos,
Fez nascer violetas de fogo no silêncio.
Arrastados pelas torrentes de luz,
Alagamos de solidão os nossos olhos.
Nem silvados, nem pauis,
Nem o pulsar do álamo.
É necessário continuar,
Mas quem descobre o rumo na areia?
Escutei vozes e nem uma conhecia o caminho,
Inventei vultos para me fazerem companhia,
E todos mantiveram os olhos cerrados.
Se eram cegos, porque me sorriam?
E porque havia nos seus dedos
A sugestão da cítara?
E porque me apontou um deles
Um flamingo, um cipreste, um lago,
Que os seus olhos não viam
E que os meus tinham começado a imaginar?

A poeta não se integrou na Poesia 61, seguindo uma linha contrária, muito pessoal, alheada das propostas poéticas relacionadas com a meta-poesia, com a questão de gênero e com a discussão acerca da identidade feminina.

Autora: Zenóbia Collares Moreira,


                                                          

Um comentário:

EVA-RN (ZCMC) disse...

Abrindo o haloscan e desejando uma boa noite a todos o leitores do blog, que o acessam de tantos países. Obrigada pelo apoio e pelo interesse.