19 de dezembro de 2009

O Barroco no Feminino: Sóror Violante do Céu


Sóror Violante do Céu nasceu em 1602 e faleceu em 1693, despedindo-se duma longa trajetória existencial, quase toda ela transcorrida entre os faustos da fama conquistada pela qualidade literária de sua obra. Antes de ingressar no convento cultivou a poesia profana, inclusive o lirismo amoroso. Após vestir o hábito, passou a investir o seu talento poético na poesia religiosa, revelando-se uma das mais prestigiadas representantes femininas do Barroco português, conquistando inúmeros prêmios e louvores das academias literárias do seu tempo. Sua produção literária é considerada pela crítica da atualidade um dos momentos altos do conceitismo barroco português. Dentre as escritoras suas contemporâneas, nenhuma teve a obra mais celebrada que a dela, nem atingiu a culminância do seu sucesso entre os altos representantes da nobreza, da intelectualidade da época e dos próprios soberanos. As sucessivas edições dos seus livros logo se esgotavam, dentro e fora de Portugal.

Levada a tomar o hábito de freira dominicana, no Convento de Nossa Senhora da Rosa, aos 29 anos de idade, e a exilar-se na vida claustral, não motivada por uma imperiosa vocação, mas para proteger-se dos sentimentos que a arrebataram e fizeram sofrer, Violante voltou as costas para o mundo e para o amor. No entanto, em sua poesia, a temática amorosa desponta aqui e ali, como uma força oculta que não consegue, ou talvez não quer sufocar.

Mesmo nas poesias de temática religiosa, nas quais suplica ao Criador o perdão para os seus erros passados, é freqüentemente o amor que emerge do seu discurso. No soneto que segue, tem-se a comprovação dessa presença do amor no espírito da poetisa. No poema, chamam a atenção as palavras opositivas vida e morte, alternadas no final dos versos. A antítese vida/morte é habilmente submetida a um jogo de sentidos no qual os termos opostos harmonizam-se através de um reiterado revezamento permutativo entre o sentido próprio e o sentido metafórico dos dois vocábulos: a morte, usada como expressão hiperbólica do sofrimento amoroso, confunde-se com a vida, como comprova o derradeiro verso do soneto.

Se, apartada do corpo a doce vida,
Domina em seu lugar a dura morte,
De que nasce tardar-me tanto a morte,
Si ausente d´alma estou que me dá vida?

Não quero sem Silvano já ter vida,
Pois tudo sem Silvano é viva morte,
Já que se foi Silvano, venha a morte
Perca-se por Silvano a minha vida.

Ah! suspirado ausente, se esta morte
Não te obriga querer vir dar-me a vida,
Como não ma vem dar a mesma morte?

Mas se na alma consiste a própria vida,
Bem sei que se me tarda tanto a morte,
Que é porque sinta a morte de tal vida.

O soneto abaixo exemplifica bem o requintado gosto barroco pela enumeração e pela proliferação verbal. Soma-se a esse processo enumerativo a técnica da bimembração dos versos, resultando numa simetria perfeita em cada um deles e na estrofe como um todo. Vale notar que os versos bimembres encerram uma oposição intensificada, ou seja, eles têm no oxímoro a viga mestra de sua construção. Observe-se ainda o domínio absoluto do oxímoro e da bimembração em todos os versos das quadras, prolongando-se nos tercetos, sem que o uso intensivo de ambos os recursos de estilo prejudique o ritmo do soneto ou o torne monótono, como costuma acontecer em textos que se constroem de forma semelhante:

Será brando o rigor, firme a mudança,
Humilde a presunção, vária a firmeza,
Fraco o valor, cobarde a fortaleza,
Triste o prazer, discreta a confiança;

Terá a ingratidão firme lembrança,
Será rude o saber, sábia a rudeza,
Lhana a ficção, sofística a lhaneza,
Áspero o amor, benigna a esquivança

Será merecimento a indignidade,
Defeito a perfeição, culpa a defensa,
Intrépido o temor, dura a piedade,

Delito a obrigação, favor a ofensa,
Verdadeira a traição, falsa a verdade,
Antes que vosso amor meu peito vença.

A invulgar sensibilidade da autora, seu estilo intelectualizado e a sua habilidade técnica asseguraram-lhe lugar de destaque nas letras portuguesas, ao lado das maiores expressões da poesia barroca. Em suas poesias profanas, reunidas na obra intitulada Rimas várias, publicada em 1646, sobressaem as metáforas conceituosas, as sutilezas, os jogos verbais, as figuras de estilo, manipulados com invulgar habilidade. 

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Zenóbia Collares Moreira

Um comentário:

Anonymous disse...

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