11 de setembro de 2011

Metalinguagem e erotismo na poesia de Luísa Neto Jorge.


Poetisa e ensaísta, nascida no Algarve em 1947, Luíza Neto Jorge fez parte do grupo de “Poesia-61”. Estreou na literatura em 1960 com o livro de poesias A noite vertebrada. Daí por diante não cessou de publicar livros de poesias, sempre muito bem recepcionados pelo público e pela crítica.
O poema que se segue, bem representativo da escrita vanguardista da poetisa, tem interesse tanto no que toca à forma, quanto ao conteúdo. No primeiro caso, tem-se uma estrutura poética que se organiza dentro dos princípios de liberdade absoluta, quanto às normas tradicionais que controlavam a técnica da criação poética. No segundo caso, tem-se um conteúdo que demanda uma maior participação do leitor na decodificação da mensagem, um tanto ambígua, que o texto veicula:

O POEMA
Esclarecendo que o poema
é um duelo agudíssimo
quero eu dizer um dedo
agudíssimo claro
apontando ao coração do homem

falo

com uma agulha de sangue
a coser-me todo o corpo
à garganta
e a esta terra imóvel
onde já a minha sombra
é um traço de alarme.

Poema é um texto, como tantos outros da autora, bem representativo da “Poesia-61”, que fez da metalinguagem uma das mais caras formas de expressão poética. O texto de Luiza Neto Jorge ajusta-se portanto às propostas do grupo, desenvolvendo-se em torno de uma reflexão acerca da poesia construção poética, do uso da palavra.
A construção do poema, problematizando a leitura com a dubiedade da palavra “falo”, colocada estrategicamente na proximidade de duelo e dedo, remete para uma leitura erótica do texto, especialmente influenciada pelo erotismo que se faz presente na obra a autora. Todavia, não levaria a nada.
Na poesia de Luiza Neto Jorge, a própria persona poética da autora, irônicamente glosada no poema `SO-NETO JORGE, Luiza´, põe a sua feminilidade entre as aspas de um cepticismo divertido:

“SO-NETO JORGE, Luiza”

A silabar que o poema é estulto
o amado abre os dentes e eu deslizo;
sismo, orgasmos tremem-lhe no olhar
enquanto eu, quase a rimar, exulto.

Conheço toda a terra só de amar:
sem nós e sem desvãos, um corpo liso.
Tenho o mênstruo escondido num reduto
onde teoricamente chega o mar.

Nos desertos-íntimos, insuspeitos-
já caem com a calma as avestruzes
-ou a infância, com os oásis, finda;
à medida que nos arcaicos leitos

se vão molhando vozes e alcatruzes
ao descerem ao fundo pego, e à vinda.
Não me quero com o tempo nem com a moda
Olho como um deus para tudo de alto

Mas zás! Do motor corpo o mau ressalto
Me faz a todo o passo errar a coda.
Porque envelheço, adoeço, esqueço
Quanto a vida é gesto e amor é foda;

Diferente me concebo e só do avesso
O formato mulher se me acomoda
E se nave vier do fundo espaço
Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo:

Logo me leve, subirei sem medo
À cena do mais árduo e do mais escasso.
Um poema deixo, ao entardecer:
Meia palavra a bom entendedor.

A obra poética de Luiza Neto Jorge, a reflexão metapoética e o enfoque da feminilidade instituem-se como a viga mestra da sua poesia.

 

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