13 de dezembro de 2011

Luís de Camões: "Erros meus, má fortuna, amor ardente...


Camões, quando se trata de expressar os males que sofreu ao longo da vida, por causa do amor, não mede esforços para se queixar reiteradamente da perseguição da “inexorável Fortuna” e dos próprios “erros” cometidos, que tantos padecimentos lhe trouxeram. 
Contudo, é ao Amor que o poeta culpabiliza de forma decisiva  por suas vicissitudes amorosas. Ele é a causa das suas angústias, padecimentos e agitações interiores. Em sua lírica, vários sonetos abordam o tema, reiterando os malesque lhe são causados por esse sentimento. Dentre tantos, o que se segue, figura entre os mais pungentes e belos sonetos do poeta:

Erros meus, má fortuna, amor ardente

Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mim bastava amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente

A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram,
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;

Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.

Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse 
Este meu duro Gênio de vinganças!

Logo à primeira leitura, podemos observar que o soneto se organiza em duas unidades de sentido: A primeira unidade, constituída por doze dos quatorze versos, tem um caráter confessional de cunho autobiográfico, que trata da enumeração das causas que ensejaram as vicissitudes do eu - lírico, ao longo de sua vida, t
oda ela transcorrida em desventuras, a vida e o amor só oferecem sofrimento e desenganos para o poeta.
Daí o lamentoso e amargurado tom das suas reflexões acerca da ação maléfica de três poderosos elementos, aos quais atribui uma conotação muito negativa - os seus próprios erros, a má fortuna e o amor ardente – todos conjurados para o fazerem infeliz. Os “erros” são negativos por sua própria natureza transgressiva; a “Fortuna” é adjetivada como má, e o “Amor”, sendo ardente, com a sua carga de paixão avassaladora, propende para o exagero desmedido, cujas conseqüências dolorosas ultrapassaram os males decorrentes dos atropelos causados pelos outros dois agentes dos seus infortúnios. O amor ardente foi quem mais tiranizou o poeta com os seus enganos. Assim, ele “somente” seria o bastante para promover todos os padecimentos do poeta. 
Como acontece em muitos outros sonetos do poeta, a linguagem que plasma o soneto privilegia um tipo de discurso hiperbólico e a primeira pessoa do singular, assinalando a hipertrofia do eu, o tom dramático e confessional que tipifica o lirismo maneirista camoniano.
O eu - lírico reconhece que cometeu muitos erros (errei todo o discurso dos meus anos), admite que, com suas mal fundadas esperanças, predestinadas ao fracasso, ensejou os castigos e os revezes da má fortuna.
É do tempo presente que o poeta relembra tudo que passou, o seu passado permeado pelo sofrimento (“a grande dor das coisas que passaram”) pela desesperança e pelo desengano amoroso que o fizeram melancólico e dominado pelo gosto de ser triste (“Que as magoadas iras me ensinaram, / A não querer já nunca ser contente”)
Esse gosto de ser triste e o culto à melancolia tipificam a lírica dos poetas maneirista, da mesma forma que a visão desencantada e pessimista em relação à vida e ao amor, sempre presentes na poesia de Camões,
A segunda unidade compreende apenas os dois últimos versos, e exprime a revolta do eu - lírico e seu conseqüente desejo de fartar o seu “duro gênio de vinganças” .
Zenóbia Collares Moreira Cunha
 

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