16 de dezembro de 2011

Sophia de Mello B. Andresen. Poesia


Copiado no Livro VI de Sophia de Mello Breyner Andresen, este poema é dos mais belos e significativos da autora, galardoada com o Prêmio Camões, após a sua publicação, em 1962..
Para atravessar contigo o deserto do mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

Livro Sexto (1962)

Logo à primeira leitura do poema somos confrontados com a densa subjetividade do mesmo, seja pelo emprego de metáforas e imagens profundamente subjetivas, seja pelo uso de uma linguagem plurissignificativa que, por isso mesmo, possibilita várias leituras, inclusive uma leitura do texto de ordem amorosa que revelaria a decisão do eu - lírico de deixar para trás todo o seu passado e conquistas para seguir o companheiro (tu) que a ajuda a suportar os atropelos inerentes à sua condição humana.

Todavia, uma leitura do poema como se este fosse um devaneio poético ditado pelo desejo de completude no amor ensejaria uma compreensão mais espiritualizada da mensagem nele plasmada? Este questionamento pode ser esclarecido se atentarmos para o que revelam os versos da primeira estrofe, cujas palavras traduzem um movimento de busca de infinito, de verdade, de essência e, mais que tudo, de intemporalidade.

Responde a esta pergunta a 1º estrofe, cujo conjunto de palavras assume o valor de procura de infinito, intemporalidade, essência, eterno, verdade, que tem continuidade na 2º estrofe

“Ao lado de teus passos caminhei
Por ti deixei meu reino meu segredo
E abandonei os jardins do paraíso

Na primeira estrofe, fica evidente o desejo do eu - lírico de não mais ser sozinha na difícil travessia do “deserto do mundo”. A segunda estrofe refere-se às dificuldades enfrentadas em conseqüência das escolhas que fez, ou seja: deixar para trás, relegado ao esquecimento, todo o passado com sua bagagem de vivências felizes, lembranças e afetos, despojando-se de tudo o que possuía: tesouros, segredos, tempo, ilusões, enfim: tudo quanto é finito, passageiro, contingencial, existencial, superficial e sem sentido e vai à procura da essência do ser, da intemporalidade, do que perdurável e da verdade absoluta, representada pelo “Tu”.

Com o despojamento indispensável a um ser “iniciado” nas esferas do transcendente, o eu - lírico se une à divindade. Consciente da sua nudez humana («Sem os espelhos vi que estava nua») declara o seu grande anseio e única meta existencial, ou seja: realizar a superação absoluta de sua difícil e aterrorizante condição de ser temporal, vencer os obstáculos interpostos pelo medo e, purificada, entrar em perfeita comunhão com a divindade, o “Tu” cuja companhia busca. Esta divindade que nutre e sustem a verdade, constitui o sentido da vida e a razão de viver do sujeito: («Ao lado dos teus passos caminhei»), o companheiro que cobriu sua nudez (Por isso com teus gestos me vestiste) e o Mestre que tudo lhe ensinou, que a libertou de si mesma e a encaminhou ao crescimento interior (E aprendi a viver em pleno vento), à libertação, cuja leveza indicia a transformação do sujeito.
 Zenóbia Collares Moreira Cunha

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